Donald Trump demite Rex Tillerson

Novo secretário de Estado, responsável pelas relações externas dos EUA, será o actual director da CIA, Mike Pompeo.

Tillerson era o responsável pelos Negócios Estrangeiros
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Tillerson era o responsável pelos Negócios Estrangeiros CARLOS BARRIA/REUTERS
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Mike Pompeo é o novo secretário de Estado norte-americano Yuri Gripas/REUTERS

O Presidente Donald Trump demitiu o seu secretário de Estado, Rex Tillerson, e pôs no seu lugar o director da CIA, Mike Pompeo. Para o lugar de Pompeo entra Gina Haspel, a primeira mulher a liderar a CIA em 70 anos de história, e com um percurso profissional marcado pela direcção de centros de interrogação secreta da agência em que foi usada a tortura.

"Quero agradecer a Rex Tillerson pelo seu serviço. Muito foi conseguido nos últimos 14 meses, e eu desejo o melhor para ele e para a sua família", lê-se no comunicado do Presidente norte-americano. 

Tillerson deu uma conferência de imprensa mais tarde, em que agradeceu a todos os que trabalharam com ele no Departamento de Estado, mas não mencionou Donald Trump.

Trump também já partilhou a sua decisão através do Twitter: "Mike Pompeo vai ser o nosso novo secretário de Estado. Vai fazer um trabalho fantástico! Obrigado ao Rex Tillerson pelo seu serviço! A Gina Haspel vai ser a nova directora da CIA, e a primeira mulher a ser escolhida. Parabéns a todos!"

Um comunicado do Departamento de Estado citado pela ABC News diz que Rex Tillerson não recebeu a notícia pela boca do Presidente Trump: "O secretário tinha toda a intenção de permanecer no cargo por causa dos importantes progressos feitos em termos de segurança nacional", lê-se num excerto do comunicado. "O secretário não falou com o Presidente e não conhece o motivo, mas está grato pela oportunidade de servir, e continua a acreditar que o serviço público é um chamamento nobre."

A saída abrupta de Trump, quando se coloca a possibilidade de negociações de alto nível com a Coreia do Norte, sugere a possibilidade de mudanças drásticas na política externa norte-americana. O New York Times cita um "alto responsável da Administração Trump" dizendo que a intenção do Presidente foi de facto remodelar totalmente a equipa antes das negociações com Kim Jong-un, o líder norte-coreano, que não deve iniciar-se antes de Maio, e também para as duras negociações sobre comércio internacional que espera os EUA - por causa das novas tarifas que Trump quer impor sobre as importações de aço.

Tea Party e tortura

Mike Pompeo foi membro da Câmara dos Representantes pelo Kansas entre 2011 e 2017, eleito na onda de 2010 que levou à vitória muitos candidatos apoiados pelo movimento Tea Party. Donald Trump escolheu-o para director da CIA em Novembro de 2016, e o Senado confirmou essa nomeação no dia 23 de Janeiro de 2017, com 66 votos a favor e 32 contra.

Gina Haspel tem um longo passado na CIA, onde chegou a vice-directora também pela mão de Donald Trump. Agora, com a saída de Mike Pompeo para a secretaria de Estado, torna-se na primeira mulher a liderar a CIA no seus 70 anos de história.

O seu nome está directamente associado à prática de tortura por agentes da principal agência de serviços secretos norte-americana. No dia em que foi nomeada vice-directora da CIA, o jornal New York Times publicou uma notícia que a coloca como principal responsável pela tortura de dois suspeitos de terrorismo numa prisão secreta na Tailândia, em 2002, e como co-responsável pela destruição de gravações em vídeo desses interrogatórios.

Um dos suspeitos torturados na prisão secreta na Tailândia, Abu Zubaydah, que perdeu um olho e foi sujeito a waterboarding pelo menos 83 vezes em apenas um mês – foi o primeiro detido após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos a ser submetido às "técnicas avançadas de interrogatório" norte-americanas, que mais tarde, em 2014, viriam a ser rotuladas de "tortura" num relatório do Senado

Zubaydah esteve detido durante quatro anos e meio em prisões secretas da CIA antes de ter sido transferido para a prisão de Guantánamo em 2006, onde permanece até agora.

A tortura de duas pessoas numa prisão secreta na Tailândia e a posterior destruição das provas em vídeo desses interrogatórios levou o Centro Europeu para os Direitos Humanos e Constitucionais (uma organização independente não-governamental) a pedir ao procurador-geral da Alemanha, em Junho de 2017, que emitisse um mandado de captura contra a nova directora da CIA.

Em Fevereiro de 2017, assim que se soube da escolha de Gina Haspel para directora-adjunta da CIA, vários congressistas do Partido Democrata pediram ao Presidente Trump que anulasse essa decisão. "Estou particularmente preocupado com as notícias de que este indivíduo este envolvido na destruição não autorizada de gravações em vídeo de interrogatórios da CIA, que documentaram o uso de tortura contra dois detidos" disse na altura os senadores Ron Wyden e Martin Heinrich.

Saída anunciada

A saída de Rex Tillerson da secretaria de Estado era esperada há vários meses – a única dúvida era se saía pelo seu pé, ou se seria afastado pelo Presidente. E era também esperado que o momento dessa separação fosse conturbado, com Tillerson a sublinhar que Trump não lhe transmitiu pessoalmente a sua decisão.

A relação entre os dois nunca foi fácil, mas agravou-se de forma significativa em Outubro do ano passado, quando a NBC noticiou que Rex Tillerson tinha chamado "fucking moron" a Trump no final de uma reunião no Pentágono, no Verão, num desabafo ouvido apenas pelos seus conselheiros mais próximos.

Na sequência dessa notícia, Tillerson convocou uma conferência de imprensa para desvalorizar o assunto, mas nunca desmentiu ter chamado "fucking moron" a Donald Trump. Por essa altura chegou a ser noticiado que Tillerson teria discutido a sua demissão.

Um mês depois da notícia da NBC, numa entrevista à Forbes, Donald Trump não escondeu que a relação com Rex Tillerson tinha chegado ao fim: "Se ele disse mesmo isso, acho que vamos ter de comparar os nossos testes de QI. E posso já dizer-lhe quem vai ganhar."

O desabafo tornado público foi a gota de água, mas Trump e Tillerson começaram a divergir em questões de política externa quase desde o início: no Verão do ano passado, Trump corrigiu declarações de Tillerson sobre questões como o acordo sobre o programa nuclear do Irãoa guerra na Síria, a melhor estratégia para lidar com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, o compromisso com o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas e até mesmo as manifestações da extrema-direita.

No geral, as ideias de Rex Tillerson estão muito mais em linha com a tradição das últimas décadas da política externa norte-americana, e por isso mais distantes da vontade de cortar com a situação vigente prometida por Donald Trump durante a sua campanha.

O caso mais recente foi a notícia do possível encontro entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Horas antes de o Presidente norte-americano ter aceitado reunir-se com Kim, Rex Tillerson tinha dito que os dois países estavam "muito longe de negociações".

"Temos de ter os olhos bem abertos e ser muito realistas em relação a isso. Não sei se há condições para começarmos sequer a pensar em negociações", disse Tillerson, que estava numa visita a África no auge das conversações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Esta segunda-feira, o gabinete de Rex Tillerson anunciou que essa visita seria encurtada porque o secretário de Estado tinha de regressar a Washinton para "tratar de assuntos urgentes".

Desconfiado do Kremlin

Tendo trabalhado durante décadas no gigante do petróleo Exxon Mobil, e tendo ocupado inclusivamente o cargo de presidente executivo da empresa entre 2006 e 2016, Tillerson desenvolveu uma profunda relação empresarial no Médio Oriente e na Rússia, estabelecendo por isso uma relação pessoal com Vladimir Putin.

Este facto fez com que muitos torcessem o nariz à chegada de Tillerson à Administração Trump, que já tinha sobre si o espectro de uma política favorecimento em relação a Moscovo. Porém, o até agora secretário de Estado rapidamente demonstrou maior oposição ao Kremlin do que o próprio Presidente.

O último dos sinais disso mesmo surgiu, precisamente, no último dia de Tillerson no cargo quando afirmou, sem grandes dúvidas, que a Rússia foi responsável pelo envenenamento do antigo espião russo Sergei Skripal, no Reino Unido. Trump, por outro lado, preferiu esperar por factos mais concretos para retirar conclusões.

Além disso, Tillerson foi uma das vozes que, no seio da Administração, mais insistentemente deu como provada a interferência de Moscovo nas eleições presidenciais norte-americanas em 2016.

A saída de Rex Tillerson é mais uma a juntar às dezenas de saídas da Casa Branca na Administração Trump em menos de um ano e meio.

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