O “longo vestido de Cinderela” que a vítima não usou serviu para ilibar estudante acusado de violação

Apesar de imagens de segurança mostrarem a vítima com dificuldades em caminhar, o tribunal considerou que os argumentos da defesa levantavam dúvidas suficientes sobre o que se passou na noite de Halloween de 2015 na Universidade de Yale.

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Autoridades estimam que o número de crimes de violação sexual em universidades esteja muito acima da média do número de episódios denunciados Reuters/BRIAN SNYDER

Saifullah Khan, de 25 anos, um estudante da Universidade de Yale, nos EUA, foi considerado inocente pelo tribunal de New Haven face às acusações de violação sexual a uma colega universitária, num caso que remonta à noite de Halloween de 2015. Entre os argumentos apresentados pela defesa de Khan — e aceites pelo júri — estava a o disfarce escolhido pela alegada vítima: um fato de gato preto. Os advogados de defesa perguntaram à estudante universitária por que não tinha optado por uma escolha mais “recatada”, como o “longo vestido da Cinderela”.

O julgamento, descrito pelo New York Times, durou duas semanas. Depois de ter exposto a acusação e ter descrito a noite de 31 de Outubro de 2015, a alegada vítima, também estudante da Universidade de Yale mas que não é identificada, foi descredibilizada pela defesa do alegado violador.

Conta o jornal norte-americano que os advogados de Saifullah Khan questionaram repetidamente a quantidade de álcool que a estudante universitária tinha consumido nessa noite e por que não se lembrava de alguns detalhes (por exemplo, como havia regressado ao dormitório nessa noite), mas se lembrava que a violação tinha de facto acontecido. Usaram ainda mensagens trocadas entre os dois alunos para afirmar que a jovem tinha estado a seduzir Khan dias antes da noite de Halloween. No final, mostraram o disfarce escolhido — um fato de gato preto — e confrontaram-na com a sua opção de vestuário, sugerindo que tivesse optado por um mais recatado, como um “longo vestido da Cinderela”.

No julgamento foram exibidas imagens recolhidas pelas câmaras de segurança do campus. As gravações mostram os dois alunos a deslocarem-se em direcção ao dormitório da estudante universitária, que parece arrastar-se enquanto caminha, apoiada em Kahn.

“Não parecem dois apaixonados?”, perguntou o advogado de defesa, Norman Pattis, após a exibição das imagens. “Não”, respondeu a estudante universitária. A acusação explicou que a jovem bebeu demasiado álcool nessa noite, o que a fez perder-se do grupo de amigos, momentos antes de ser abordada por Kahn, estando já visivelmente vulnerável quando o rapaz se aproximou. Já o estudante alega que foi ela quem o convidou para o quarto e garante que se despiu sozinha.

O jornal norte-americano nota ainda que só o facto de o julgamento ter acontecido já é assinalável, uma vez que é raro casos de violação sexual em universidades norte-americanas chegarem tão longe judicialmente, face ao que os especialistas consideram ser o número real de ocorrências. O Departamento de Justiça estima que apenas entre 4% e 20% das estudantes universitárias violadas denunciam os casos às autoridades.

Depois do veredicto, um dos membros do júri, Diane Urbana, explicou que consideraram existir “um número de dúvidas suficiente em todas as acusações apresentadas”.

Saifullah Khan chegou a ser suspenso da Universidade de Yale, que se recusou agora a comentar o caso. Khan nunca terminou o curso e está a viver com a família desde a acusação.

“Houve um trabalho intencional de culpar a vítima, com base em estereótipos e concepções erradas relacionadas com a violação e abusos sexuais”, analisa Laura Palumbo, representante do Centro Nacional de Recursos sobre Violência Sexual. Para a especialista, a linha de questionário e argumentação apresentada pela defesa do acusado é justamente a razão pela qual as vítimas hesitam em denunciar crimes sexuais.

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