Prisão perpétua para jovem no Reino Unido é rara mas não é única

No País de Gales, um adolescente foi condenado por planear um atentado. Não houve assassínio em massa mas podia ter havido, concluiu o juiz.

O adolescente condenado no País de Gales passará aos 18 anos para uma prisão de adultos
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O adolescente condenado no País de Gales passará aos 18 anos para uma prisão de adultos Carlos Lopes
Inglaterra e País de Gales têm o mesmo sistema e a idade mínima de responsabilidade criminal é dez anos
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Inglaterra e País de Gales têm o mesmo sistema e a idade mínima de responsabilidade criminal é dez anos Daniel Rocha
"A maioria das crianças recebe uma sentença na comunidade", diz Stephen Case
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"A maioria das crianças recebe uma sentença na comunidade", diz Stephen Case DR

A sentença não foi uma surpresa, embora não concorde necessariamente com ela; o acto, sim, diz o professor de Criminologia inglês Stephen Case. Não por ser uma novidade a polícia impedir atentados no Reino Unido, mas porque neste caso terrorismo e adolescente juntavam-se na mesma frase, no mesmo caso. "A novidade é falarmos de terrorismo entre os jovens", diz.

A 2 de Março, um jovem de 17 anos foi condenado a prisão perpétua ou pena de prisão por tempo indeterminado por um juiz do tribunal de Cardiff. Foi condenado por planear em Junho de 2017 um atentado terrorista na cidade principal do País de Gales.

“Não concordo necessariamente com a sentença, mas não me surpreende. É assim que o sistema lida com este tipo de crimes. Há alarmismo criado politicamente e pela comunicação social”, diz Stephen Case.

O professor Stephen Case, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Loughborough (norte de Londres), explica que embora a decisão deste juiz seja “muito rara” e “quase única”, pelo menos nos últimos anos, a pena de prisão perpétua ou por período indeterminado está contemplada no sistema de Justiça Juvenil de Inglaterra e País de Gales para crianças entre os dez e os 18 anos, em crimes de “extrema gravidade”. Até aos 18 anos, as crianças e jovens respondem perante a justiça juvenil. A partir dessa dessa idade são colocados perante a justiça penal. 

Stephen Case não se lembra de nenhum caso em que um jovem com menos de 18 anos tenha sido sentenciado a prisão perpétua, pelo menos desde o assassínio de James Bulger, em Fevereiro de 1993, por duas crianças de dez anos. Este caso, recorda, completou no mês passado 25 anos. “Tinham dez anos e foi-lhes sentenciada a prisão perpétua pelo carácter extremo do crime”, explica.

Agora, no caso de Cardiff, diz, “é mais fácil para o sistema tratar um rapaz de 17 anos como um adulto, porque está perto da idade, 18 anos, em que seria julgado como um adulto”, acrescenta. Em 1993, o caso foi chocante e a decisão extrema.

“Pode acontecer [a prisão para a vida de um jovem com menos de 18 anos], mas é muitíssimo raro.” Só em casos de “extrema gravidade”, reforça Stephen Case, investigador e autor de vários livros e ensaios sobre o sistema de justiça juvenil.

Este caso surge precisamente numa altura em que alguns países europeus, por exemplo Espanha e França, “estão a cruzar a justiça juvenil com a justiça penal nestas questões do terrorismo”, salienta Maria João Leote, representante portuguesa no European Council for Juvenile Justice e investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Em França e Espanha, “existem tribunais especializados para casos de suspeita de envolvimento em actos de terrorismo” independentemente de serem adultos ou jovens.

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Em função de os crimes serem relacionados com a segurança nacional e relacionados com actos de natureza terrorista "abrem-se novas perspectivas na discussão da intervenção do sistema de justiça juvenil”, acrescenta a investigadora. A questão que se coloca é se estes jovens suspeitos de envolvimento em actos terroristas devem ser “afastados do sistema judicial juvenil convencional”.

Os jovens como alvo

O alegado atentado estaria planeado para o estádio de Cardiff em 30 de Junho, durante um concerto de Justin Bieber, quando ainda era muito perturbadora a recordação do atentado em Manchester durante um concerto de Ariana Grande um mês antes, no qual morreram 22 pessoas, na maioria crianças ou jovens.

O pior ataque no Reino Unido numa década (desde os atentados de Londres em 2005) foi este em Manchester – reivindicado pelo Daesh e que teve como alvo os jovens.

No caso de Cardiff, a polícia que anunciou ter impedido o atentado encontrou na casa do adolescente, na sua mochila e nos seus registos no computador, uma faca, um martelo e uma nota de suicídio na qual se apresentava como um “soldado do Daesh” e que previa morrer “como mártir” no ataque em que pretendia "abalroar não-crentes com um carro”.

Na nota para ser lida depois do suposto ataque, escrevia: “Ataquei Cardiff porque o nosso governo continua a bombardear alvos na Síria e no Iraque. Não existirão mais ataques no futuro.”

O Juiz Mark Wall afirmou não ter dúvidas de que o atentado ia mesmo acontecer. No dia 2 de Março sentenciou o jovem a prisão perpétua, e explicou que o fez por estar certo de que no momento em que este foi detido (em Junho passado) estaria a poucas horas de cometer um acto de atrocidade nas ruas de Cardiff. “É evidente que Cardiff era o teu alvo”, disse-lhe na última sessão no tribunal de Royal Crown em que levantou a proibição da comunicação social britânica não identificar o jovem, cujo nome passou a ser público.

E lembrou-lhe que ele tinha procedido a um determinado número de pesquisas na Internet ligadas às condições de segurança previstas para o concerto de Justin Bieber.

“Não temos a certeza se terias ou não atingido pessoas no concerto ou outras nessa noite nas suas tarefas habituais na cidade. Não é possível ter uma estimativa do número de pessoas que teriam sido mortas ou que ficariam gravemente feridas nesta acção, porque o ataque foi impedido antes de o cometeres”, disse.

Adolescente negou plano

De nada serviu que a defesa tenha negado a preparação do ataque e atribuído as suspeitas resultantes da investigação da polícia a “um interesse idiota” e uma mera “curiosidade” em relação ao grupo terrorista islâmico Daesh.

“Queria apenas ver se era fácil para as pessoas que têm interesse no terrorismo conseguirem informação online, uma vez que a polícia e o governo estão a tentar derrubar o terrorismo e a radicalização. Queria ver se era possível, através do ponto de vista de outra pessoa”, justificou a defesa sem convencer o juiz que o condenou também por ter incentivado acções de terrorismo através da Internet e por ter em sua posse propaganda do Daesh.

“Tenho a certeza que planeaste não apenas o homicídio de uma pessoa, mas um homicídio em massa”, acrescentou, antes de justificar: “No meu entendimento, terei de aplicar uma sentença por tempo indeterminado. As tuas acções demonstram um desprezo total pela vida humana. Não consigo prever qual o momento em que saberei com confiança que não representas um perigo [para a sociedade] ou que esse perigo diminuiu o suficiente.”

A Inglaterra e o País de Gales partilham o mesmo sistema judicial juvenil, e a idade mínima de responsabilidade criminal é dez anos, enquanto na Escócia e na Irlanda do Norte – que têm os seus próprios sistemas autónomos – a idade mínima é de 12 anos.

Isso não significa que fiquem sob custódia, explica Stephen Case: “Algumas destas crianças são acompanhadas por uma equipa de técnicos, essencialmente assistentes sociais, que trabalham com jovens. A maioria recebe uma medida judicial a cumprir na comunidade. Apenas uma pequena minoria, que comete um delito suficientemente grave, ficará sob custódia numa instituição para jovens ou num centro de treino de segurança.”

As opções de medidas sob custódia existem, “mas cada vez menos se levam estes jovens a cumprir penas de prisão". Nestes casos, "não ficam com registo criminal”, acrescenta o académico por telefone.

Dos dez aos 18 anos em França

Em Portugal a idade mínima de responsabilidade criminal é de 16 anos – mas de acordo com a Lei Tutelar Educativa, podem ser internados em regime aberto, semiaberto ou fechado em Centros Educativos entre os 12 e os 16 anos; em França é de 18 e na Polónia é de 17. A média da idade de responsabilidade perante a justiça juvenil ou penal, nos países europeus, ronda os 14 anos, como acontece em Espanha, Itália, Alemanha ou Áustria. Suécia e Noruega estabeleceram os 15 anos como idade mínima para que os jovens sejam responsabilizados perante a justiça.  

O jovem de Cardiff deverá cumprir um ano numa instituição fechada para jovens até aos 18 anos e depois deverá transferido para uma prisão de adultos. Mas também poderá ser colocado numa instituição com outro tipo de intervenção. O jornal The Independent menciona problemas de autismo do jovem de Rhondda Cynon Taf, no País de Gales, e o Daily Telegraph descreveu-o como um adolescente com ar de criança. A imprensa em geraç diz que o jovem tem prevista uma pena de pelo menos 11 anos de prisão, período depois do qual o seu caso voltará a ser analisado na perspectiva de uma eventual saída em liberdade condicional.

“O ataque não chegou a acontecer. Mas o adolescente foi condenado pela gravidade potencial do acto planeado”, contextualiza Stephen Case. 

Foi o caso aqui, como foi há 25 anos no brutal assassínio de um bebé de dois anos, James Bulger, por duas crianças de dez anos, recorda. Foram incriminados pelas imagens das câmaras de vigilância de um centro comercial de onde o bebé tinha desaparecido, antes de ser encontrado morto.

Infância sob custódia

Condenados a prisão perpétua com dez anos, saíram em liberdade condicional depois daquilo que o sistema designa por “tariff period” ou período mínimo. Tinham 18 anos. O choque foi imenso. Odiados pela opinião pública, foram presos em 1993. Oito anos depois, receberam novas identidades e ganharam a liberdade condicional em 2001.

A opinião pública tende a apoiar castigos duros e uma punição reactiva a ofensas extremas. "É geralmente uma punição reactiva, porque o público tem apenas acesso a uma determinada quantidade de informação", salienta Stephen Case. "A opinião pública está formatada pelos políticos e pela comunicação social.”

Investigadores e académicos tenderão a ter um outro ponto de vista: “Não nos podemos esquecer que a maioria dos jovens que cometem delitos tem problemas em várias áreas das suas vidas: pode ser na educação, na família, com a pobreza, o desemprego, a saúde, a saúde mental”, diz Case. E conclui: "Os delitos são um sintoma desses outros problemas. Por isso, nem sempre se deve punir, mas lidar com eles de outras formas.”

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