CENAS DE DOR, TRISTEZA, E SOLIDARIEDADE NUMA MANHÃ CHUVOSA DE LONDRES

Londrinos ou não, foram muitos os que ontem se dirigiam aos locais dos atentados. Para deixar flores e mensagens, apenas para ver, mas também para chorar. Pelos hospitais da cidade continuam as visitas aos mais de 100 internados e a procura pelos desaparecidos

Um homem numa paragem de autocarro no centro assusta-se e corre para o telefone à passagem de ambulâncias. Uma mulher chora em Tavinton Street, diante de uma barreira branca erguida para não deixar ver o autocarro destruído que se adivinha, dois quarteirões à frente. Ray deixa um nó chinês em King"s Cross. Leony, que chegou de manhã vinda da Holanda, passa por Edgware Road para falar aos que precisarem, porque apesar de estarem "todos muito tranquilos", sabe que "no coração deles a tristeza continua".No metro, nos autocarros, nas ruas principais ou nas que rodeiam os locais dos atentados ou os hospitais que receberam as vítimas, Londres continuou ontem a viver. Com mais trânsito do que num sábado normal, com menos pessoas a pé em algumas artérias, mais noutras, com turistas que chegam e partem. Com mais polícia nas ruas e nos transportes, onde também cresceram os avisos contra pacotes ou sacos suspeitos, "culpados até prova em contrário". Com céu cinzento e chuva miudinha atravessado com muita frequência por helicópteros.
"Em Londres as pessoas não entram em pânico facilmente, é assim mesmo que somos", resume Andrew Kuczmirczic, professor de Psicologia na City University, especialista em stress pós-traumático que acompanha algumas das famílias das vítimas. "A tragédia é terrível, claro, mas não na escala de Madrid ou Nova Iorque. E estamos habituados, não nestas dimensões, mas por causa do IRA já vivemos num estado de medo. Para a maioria a vida vai continuar. Mas alguns vão ter ataques de pânico, medos, e vão ser afectados por isso nas suas vidas. Os britânicos demonstram pouco o que sentem. Choram pouco, gritam pouco. E por isso, poucos vão decidir procurar ajuda", prevê, apontando as pessoas que passam "como se nada fosse" em King"s Cross.
Ao lado, onde explodiu uma das quatro bombas de quinta-feira, também há muitos que param, na maioria para deixar flores junto à parede da estação. Entre as muitas dezenas de ramos, Ray, chinês, 29 anos, a viver em Londres há um ano e meio, escolheu deixar algo diferente. "É um laço chinês. A cada Ano Novo as famílias penduram-nos na janela. É um símbolo de paz, de esperança. É o que desejo a Londres", explica. Encostado à entrada principal, Chris Cantle, londrino, decidiu vir e ficar. Trouxe o filho, Danny, de um ano, e em cima do carrinho em que este dorme, tem um livro de condolências. "Uma marca de respeito pelas 50 pessoas que perderam a vida. 07.07.05", lê-se na capa a letras gordas.
Duas avenidas para sul, a maior "cena de crime" da capital britânica obrigou a fechar vários quarteirões em redor do autocarro nº 30 que explodiu em Tavistock, perto da Russell Square. Em frente a uma das barreiras de plástico branco e estrutura de metal, uma mulher jovem, casaco branco comprido e cabelo castanho escuro, chora. Senta-se no chão, volta a levantar-se. Continua a chorar, assoa-se. Quando é interpelada foge. "Não, não conhecia ninguém", diz apenas.
Para os que conhecem feridos ou algum dos 25 ainda desaparecidos, o destino são os muitos hospitais de Londres que receberam vítimas. Quase 100 pessoas ainda internadas, dezenas em estado grave, cerca de 30 com queimaduras que levarão meses a tratar. Janine, negra, muito bonita e muito arranjada, mãe de três filhos pequenos que empunham enormes balões, não quer falar. Mas conhece alguém e é por isso que visita o St. Mary"s Hospital. Um dos maiores da cidade, um dos que tratam os queimados graves.
Ao cimo da Praed Street, mais barreiras, estas verdes, não deixam chegar à entrada da estação de Edgware Road. Junto aos candeeiros e postes com direcções, acumulam-se ramos de flores e vasos, postais e mensagens, velas. "Do (Iraque) para (Londres)", lê-se no cartão de um ramo de malmequeres. Italianos, franceses, ou "muçulmanos profundamente chocados e de coração partido" deixaram outras flores.
Leony veio em pessoa. Holandesa de "Hulshorst, uma cidade muito pequena", 22 anos, activa num grupo cristão. Chegou ontem e vai ficar até amanhã, para "passar por todos estes sítios e falar com as pessoas que estão a sofrer". "Vi isto na quinta-feira e fiquei muito triste, senti que o coração de Deus chorava dentro do meu."
Kingsway, centro de Londres. Três ambulâncias e um veículo de apoio passam encabeçadas por um carro de emergência. Um homem de óculos, blusão cinzento e saco de desporto verde escuro na mão salta para a estrada ao som da primeira sirene. Depois de olhar de um lado para o outro anda sem destino no passeio. Acaba por parar, pousar o saco e abri-lo. A tremer procura pelo telemóvel que finalmente encontra. Recomeça a andar de um lado para o outro, mantendo o telefone na mão, sem telefonar a ninguém. Dois minutos mais tarde, ainda sem ligar nem voltar a guardar o telefone, entra num autocarro, a olhar para trás, na direcção em que seguiram as sirenes.

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