Há 50 anos, numa casa Arte Nova, nasceu o colégio que Sá Carneiro queria para a Foz

Onde há meio século funciona o externato Jardim Flori morou um casal regressado do Brasil, que após a morte do filho vendeu a casa à Congregação das Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário pelo “preço simbólico” de 600 contos (3 mil euros).

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Adriano Miranda

Há uma casa na Foz do Douro, arquitectada sob os desígnios da Arte Nova, onde vivem seis madres da Congregação das Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário. É esta casa que habitam o ponto de partida para o Jardim Flori, o colégio que abriu portas há 50 anos por força da união das missionárias desta congregação que nasce em Espanha com Frei Bernardo Domingues, da Ordem dos Dominicanos, e Francisco Sá Carneiro, que terá sido um dos responsáveis pela obtenção do alvará atribuído à escola, a 4 de Março de 1968.

Quem passa frente ao 342 da Rua Marechal Saldanha, naquela freguesia do Porto, não adivinha o que se esconde por trás do muro onde está o portão da entrada. Era aquele jardim e aquela casa com três pisos, até à primeira metade dos anos 1950, propriedade de Alberto Figueirinhas, que lá viveu com a esposa e com o filho após ter regressado do Brasil.

Depois da morte do filho, que não sobreviveu à tuberculose, desfez-se da moradia. As missionárias dominicanas, com quem se cruzava na Foz podiam dar bom uso ao imóvel. Queria que ao vender a casa que fosse para uma obra de beneficência. Vende-a em 1954 à congregação pelo “preço simbólico” de 600 contos na moeda antiga (3 mil euros), mais 100 contos (500 euros) de juros.

Numa primeira fase serviu a casa para albergar “meninas carenciadas”, que com as freiras aprenderam a bordar para fazerem os enxovais de muitas famílias da Foz. Mais tarde passou a berçário. Frei Bernardo Domingues, da Ordem dos Dominicanos da paróquia do Cristo-Rei, e Francisco Sá Carneiro, fundador do PPD/PSD e primeiro ministro em 1980, ano em que faleceu após o avião que partia de Lisboa em direcção ao Porto se ter despenhado em Camarate, tiveram um papel fundamental na fase seguinte.

Sá Carneiro vivia no prédio em frente à casa e tinha uma grande ligação a Frei Bernardo e aos dominicanos. Tinha também o plano para a criação de um colégio numa zona da Foz onde começavam a ser erigidos novos prédios. Na altura já existiam nas imediações escolas primárias como a da Foz, de Nevogilde, a da Feira ou o colégio do Ramalhete.  

Associa-se às missionárias e a custo zero presta apoio jurídico para tornar possível a obtenção de alvará para que o edifício pudesse funcionar como colégio. Nasce na casa onde tinha habitado a família Figueirinhas o Jardim Flori, em Março de 1968, para receber crianças em idades actualmente designadas por pré-escolar e do primeiro ciclo. Depois disso, estudaram lá os filhos e os netos de Sá Carneiro.

O nome do externato é escolhido em homenagem a Ascensão Nicol Goñi, fundadora da Congregação das Missionárias Dominicanas do Rosário, em Espanha, cujo nome de baptismo era Florentina, mas a quem tratavam por madre Flori. Curiosamente, nasceu a 14 de Março de 1868, 100 anos antes do colégio abrir.

Ajudam-nos a contar esta história da transição de casa de habitação para colégio a actual directora do externato, Ana Correia da Silva, há 29 anos na escola, a directora pedagógica do primeiro ciclo, Piedade Ferrão, há 33 anos no colégio, Delminda Pereira, que lá leccionou durante 47 anos e este ano deixou de exercer, e a Irmã Carmen, Madre Superiora da casa e membro da direcção desde 2005.

Irmã Carmen é uma das seis moradoras da casa. Já lá viveram doze, conta. Na cozinha está lá um fogão antigo desde que para lá se mudaram as madres. A pia da banca, feita de um bloco de pedra inteiro, dizem que está lá desde os Figueirinhas.

Já não é lá que as aulas são leccionadas. No jardim foi construído um edifício novo em 1974 com dois pisos. Em 2000, esse edifício cresceu dois andares. É lá que decorrem as aulas do primeiro ciclo, nas 10 salas onde estão parte dos 266 alunos, no dia em que lá fomos. No jardim há outro bloco com quatro salas para o pré-escolar.

“Quando para cá vim ainda não existia o edifício novo. Era um jardim lindíssimo”, conta Delmira Pereira, que diz ter leccionado para três gerações. “Já há avós e netos”, diz a antiga professora que sublinha a ligação que continua a existir com muitos dos alunos que por lá passaram, “alguns que se distinguiram em várias áreas como a política, as artes ou televisão”.

Piedade diz que o colégio é uma extensão da família e que são muitos os que voltam para visitar o corpo docente e “as irmãs”. Num dos corredores passa a irmã Luzia, a mais antiga. Conta-nos Ana Correia da Silva que muitas das vezes é convocada pelos alunos para arbitrar os jogos de futebol marcados para o recreio. “Ainda continua também a ensinar ponto de cruz a raparigas e rapazes”, diz.

O colégio tem uma base religiosa. É propriedade das Missionárias Dominicanas do Rosário que também fazem parte da direcção. Não é por isso que não é aberto a todos. “Todos são bem-vindos. Temos todo o tipo de alunos. A religião não é impeditiva no processo de selecção”, sublinha, dizendo que apenas se exige que se respeite as normas. Do plano curricular faz parte a disciplina de Educação Moral Religiosa Católica.

Irmã Carmen, nascida em Bilbao, em Portugal desde 2005, acredita que essa base religiosa, de cariz orientado para o catolicismo, mesmo para quem não nasceu num lar que o praticasse, funciona como suporte fundamental para a educação de uma criança: “É uma base para formar a parte humana, assente em valores de respeito pela dignidade do outro, na verdade, justiça e solidariedade. Sem isso não há fundação”.

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