O congresso do vazio

Não tenho qualquer ilusão, Rui Rio, se não é contra algumas das ideias e das propostas do governo, rapidamente passará a ser.

O maior partido parlamentar, que também é o maior partido da oposição, está em congresso nacional depois de ter eleito o seu líder há um mês. Num tempo em que a velocidade da mensagem é exigente, em que tudo se espera seguindo um ritmo e uma melodia encantatórios para engendrar uma primeira boa impressão, o PSD negou o princípio da surpresa. Não sei se foi por falta de saber o que fazer, ou se foi por dificuldade em se dar com a realidade comunicacional.

Vejo alguns dos comentadores, e até alguns dirigentes do PS, a ansiarem pela existência de um novo PSD. Não tenho qualquer ilusão, Rui Rio, se não é contra algumas das ideias e das propostas do governo, rapidamente passará a ser. É da normalidade da ação política pré-eleitoral, mas também da realidade parlamentar deste PPD/PSD, que é muito mais à direita do que qualquer outro em que Rio navegou no passado. Rio talvez não tenha ainda entendido que os líderes do seu partido são escolhidos pelas bases com o critério do dia, mas são enviados porta fora pelas elites e pelos interesses no primeiro momento em que se sintam em causa.

A pergunta que muitos fazem é simples – com Rui Rio poderá haver um novo bloco central? A esta resposta talvez possa responder com vantagem, dada a minha posição moderada, por vezes concordante, com as opções laranja. Não, não há qualquer possibilidade de existir um novo bloco central.

O Partido Socialista de hoje e a situação política nacional e europeia são muito diferentes do que eram em 1983 quando PS e PSD acordaram governar em parceria. Também são muito diferentes do tempo em que PS e CDS (1978) se encontravam à frente da máquina do Estado. Nem a democracia está em causa nem o país, felizmente, se encontra numa situação dramática como a que vivemos em meados das décadas de 1970, 1980 e mesmo nos últimos anos.

Então qual será a escolha que os portugueses poderão fazer? Tenho para mim que os eleitores se fixarão entre uma maioria absoluta para o Partido Socialista ou uma reedição da solução atual de governo.

A pergunta que muitos farão, de seguida, é a que se liga à possibilidade de existir um governo com a presença de um só dos pequenos partidos à esquerda da esquerda para além do PS. Não me parece possível. Seria, aliás, um gesto de falta de consideração de António Costa para com os partidos que lhe permitiram a governação anti-troika e seria a negação de uma solução que, por essa Europa fora, permitiu a existência de uma modalidade político-partidária europeia, aberta, cordata e respeitosa perante as obrigações internas e externas, mesmo que exigente e até de difícil gestão.

Perguntarão os leitores sobre a possibilidade de uma solução de governo à direita que se possa afirmar eleitoralmente nos próximos meses. Muito difícil. Em primeiro lugar porque o eleitorado do PSD tem dificuldade em entender qual a posição ideológica de Rio; depois porque o CDS quer canibalizar o espaço político do seu ex-parceiro tentando determinar, em futuro próximo, outras soluções que produzam o rearranjo partidário nessa direita. Não me parece, por agora, que o PSD se fixe em ganhar as eleições, em encontrar uma linha mínima de convergência com o CDS, mesmo em listas separadas.

O congresso do PSD é, pois, o primeiro momento de um caminho das pedras. Claro está que em política tudo se altera em segundos. Mas há também a perspetiva dos que, não sendo da política, olham para ela fazendo o coro essencial para a conformação final do resultado eleitoral. Rui Rio, por muito que tente, não consegue encontrar no seu caminho os países que existem no país, a sabedoria discursiva que deve suportar-se na máxima leninista de olhar sempre para quem está na sala, a elaboração dos que observam Portugal como país in que parece estar a ser.

À pergunta sobre a existência de uma opção por uma maioria absoluta para o PS, eu direi que é o que o país deveria ponderar. Porque há mudanças a fazer nas administrações públicas, porque há adequações que importa concretizar perante o mundo novo 4.0 que está a chegar, porque há urgências nas políticas de combate às desigualdades que terão de ser feitas em confronto com os gastos de rede que ainda são muitos. Mas há uma outra coisa que é identicamente relevante: porque assim era possível atribuir a António Costa um mandato para que ele colocasse em prática completa os 40 anos de pensamento político sobre o país.

Costa disse, há poucos dias, que não há nenhum membro do governo que não se queixe da falta de recursos. Eu sei que Costa sabe que há alguns que têm razão e outros que não tiveram ainda condições para saberem em que ponto está a máquina a gripar. Uma maioria absoluta também permitiria olear a máquina e atribuir novo jogo com leituras mais abertas e menos burocráticas. Durante os anos em que trabalhei com Costa, se lhe dissesse que tinha falta de recursos, ele dava-me uma corrida. Agora não o fará porque já passaram 13 anos. Mas vontade não lhe faltaria…

 

 

 

 

 

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