Flexibilizar a Educação

Pretendemos ensinar para os exames ou para as realidades do ensino universitário e da vida, nas vertentes pessoal e social?

“Urge debater e refletir mais aprofundadamente o acesso ao ensino superior, devendo este tópico merecer, igualmente, o interesse e contributo dos responsáveis e corpo docente deste nível de ensino, que, não raras vezes, se queixam da impreparação com que lhes chegam os alunos. Baixe-se o tom das lamentações e aumente-se a vontade de resolver um problema que se arrasta há muitos anos e ninguém demonstrou, ainda, capacidade de o abordar condignamente, votando-o ao esquecimento, adiando-o ad aeternum.”

No artigo “A propósito das futriquices à volta do ranking dos exames”, no PÚBLICO online do dia 6 do corrente mês, discorrendo sobre a temática em causa, estabeleci um paralelismo com o modelo de acesso ao ensino superior, neste momento, refém dos exames nacionais, realizados num ciclo de estudos “sem identidade própria” (reduzindo-se a sua serventia à preparação intensiva para os exames), mais proveitoso se direcionado para a preparação integral (múltiplas literacias) dos discentes na obtenção de excelentes percursos no ensino superior.

Não me refiro à abolição dos exames pelo simples motivo de criarem ansiedade e pressão nos alunos, professores e famílias. Defendo a revisão — após debate sério e criterioso — do regime de acesso ao superior, silenciando muitos docentes universitários que apontam, reiteradamente, a impreparação dos alunos quando entram no ensino superior, muito por força de terem passado três anos da sua vida académica a treinar para exames...

A propósito do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), a decorrer em 225 escolas, com caráter voluntário, o diretor para a Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, apontou o atual modelo de acesso ao ensino superior como um constrangimento no que concerne à “uniformização do ensino que promove”.

Pretendemos ensinar para os exames (aula convertidas em sessões de treino intensivo) ou para as realidades do ensino universitário e da vida, nas vertentes pessoal e social (aprendizagens que privilegiem o trabalho de projeto e o trabalho colaborativo)? Faz sentido a subserviência das práticas pedagógicas para com os exames do ensino não superior como meio único de acesso ao superior? Quem lucra com isto?

Apraz-me realçar a menção muito positiva que aquela entidade externa atribuiu ao PAFC, ainda em fase embrionária, recomendando mesmo o seu alargamento às restantes escolas, sem, contudo, caráter prescritivo, ao contrário de algumas opiniões internas, à laia de “Velho do Restelo”, auspiciando sempre grandes maleitas, mesmo quando se perfilam enormes virtudes, politizando negativamente a Educação e primando pela ausência de alternativas. Neste sentido, é muito mais fácil ser anti...

No terreno, vislumbro, entre outros, os seguintes fatores positivos: efetivação da autonomia atribuída a cada escola para organizar o seu projeto (não se replicam projetos idênticos, cada um tem BI próprio); impossibilidade de comparar avaliativamente realidades distintas; aumento dos níveis de motivação e maior disponibilidade para as aprendizagens; valorização do perfil dos alunos e dos seus potenciais; diminuição do abandono escolar; reforço das equipas multidisciplinares nas escolas; favorecimento do trabalho colaborativo e em articulação pedagógica; acompanhamento sistemático e contínuo por parte das equipas de supervisão constituídas pelo Ministério da Educação; presença in loco da tutela (ministro, secretário de Estado...) em reuniões de trabalho nas escolas (conselhos gerais e pedagógicos, encontros com professores, alunos, pais e encarregados de educação).

Não obstante, também, vislumbro alguns alertas: impossibilidade de manter todo o corpo docente até final do ciclo de ensino (decorrente dos diferentes concursos de professores e pela inviabilidade de recondução destes...); inobservância de um pacto na Educação (esta, de entre outras, uma questão essencial); perpetuação do servilismo do ensino secundário aos exames nacionais; colocação de mais recursos humanos (docentes e assistentes operacionais) para implementar respostas educativas diferenciadas e diferenciadoras, indubitavelmente, mais personalizadas (fazer-se mais com os recursos que existem — Orçamento do Estado com cinto apertado para a área da Educação); escassez de formação gratuita ou a baixo custo direcionada concretamente para as funções exercidas pelo pessoal docente e não docente.

Estou convicto de que esta experiência pedagógica, a decorrer de forma promissora, terá tanto sucesso nas aprendizagens dos alunos quanto mais se souber respeitar as diferenças, os desígnios e as necessidades de cada uma das 811 comunidades educativas públicas (para além das privadas) que, dada a sua natural heterogeneidade, enriquecem cada vez mais o país que servem, assumindo-se como uma bandeira nacional.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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