Imposto sobre o tabaco foi o ponto fraco das receitas fiscais

Cobrança foi a única a descer em 2017, num ano em que os cofres do Estado arrecadaram quase mais dois mil milhões em receitas.

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Este ano, a tributação específica do tabaco subiu 1,4% e a tributação adicional baixou um ponto percentual Rui Gaudêncio

Num ano em que as receitas fiscais cresceram acima do esperado, ajudando a diminuir o défice público, houve um imposto que contrariou a tendência: o que incide sobre o consumo do tabaco. Os cofres do Estado arrecadaram 1445 milhões de euros com este imposto em 2017, o que representa uma quebra de receita de 4,6% face ao ano anterior. São menos 70 milhões de euros.

Em sentido contrário estiveram todos os outros impostos, desde o IRC ao IVA, que puxaram pelas contas do Estado ao crescerem mais do que o estimado, até ao imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas (IABA), que registou o maior crescimento (de 44%), impulsionado, como diz a Direcção-Geral do Orçamento, pelo início da tributação das bebidas açucaradas. Já o IRS esteve na linha de água, mas acabou por fechar o ano com um crescimento de 0,1% (16,3 milhões), deixando o imposto sobre o tabaco como a excepção à regra em 2017. Ao todo, entraram mais 1937 milhões para os cofres do Estado.

Se é certo que o Governo já estava a contar com uma descida marginal nas receitas com o tabaco, a diferença acabou por se revelar muito acima do oficialmente previsto na proposta do Orçamento, onde se apontava para uma diminuição inferior a 1%. Mas, afinal, como se explica esta quebra, que surpreendeu pela negativa?

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças atribui a descida a um “efeito único” que aconteceu em 2016, o ano que serve de base de comparação para se verificar uma descida de 4,6%. Como o Orçamento desse ano, o primeiro do actual Governo, apenas entrou em vigor em Março e com ele houve uma subida das taxas do imposto, isso “levou a um aumento das introduções ao consumo nos primeiros meses do ano de 2016”, sustenta o Ministério das Finanças.

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Aumentar

Por regra, as empresas introduzem mais tabaco no mercado antes das subidas de preço (por via do aumento imposto), ou seja, no final de cada ano. Mas no caso de 2016 isso aconteceu nesse mesmo ano e não no final de 2015. Assim, esse movimento terá ocorrido duas vezes (nos primeiros meses antes de o OE estar em vigor em Março e novamente no fim desse ano), o que ajuda a explicar a subida expressiva da receita em 2016, em que a cobrança subiu 25%, ao passar de 1213 milhões para 1515 milhões. “Em 2017 como o OE entrou em vigor a 1 de Janeiro, este efeito já não se registou, influenciando negativamente toda a receita anual”, diz o Ministério das Finanças.

O mercado pode estar também influenciado por factores mais difíceis de mensurar, como mudanças nos hábitos de consumo (pessoas que deixam de fumar, que transitam para alternativas como os cigarros electrónicos ou que optam por marcas mais baratas), ou com alterações ao nível do contrabando.

Previsão e realidade

No sector, as leituras sobre a forma como está a ser aplicado o imposto não são unânimes. João Pedro Lopes, porta-voz da Imperial Tobacco – empresa que comercializa cigarros, cigarrilhas e tabaco de enrolar – atribui a perda de receita a uma distorção na fiscalidade, sustentando que as introduções ao consumo tiveram uma quebra mínima em 2017, inferior à que se registou na cobrança feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira. “A estrutura financeira do imposto cria distorção e não está a favorecer a receita do Estado”, defende.

Olhando para a tendência dos últimos anos, o director-geral da Tabaqueira, Miguel Matos, refere que a empresa defende “a estabilidade da política fiscal para o tabaco, que se tem revelado ultimamente bem-sucedida, na medida em que permitiu em simultâneo salvaguardar o mercado legal, alcançar um crescimento das receitas fiscais e introduzir uma lógica de protecção da saúde pública”.

Para este ano, as Finanças prevêem uma subida geral das receitas fiscais e contam que o imposto sobre o tabaco também cresça (2,1%, equivalente a 30 milhões de euros). João Pedro Lopes, da Imperial Tobacco, não acredita nesse cenário. “Teoricamente, mesmo não havendo uma quebra ao consumo, muito provavelmente a receita voltará a cair”, antecipa.

O imposto sobre o tabaco é composto por dois elementos (o imposto específico – por unidade – e o chamado ad valorem – uma percentagem sobre o preço de venda ao público), aplicando-se uma regra em que o valor de imposto apurado não pode ficar abaixo de um mínimo fixado por lei (de 104% do imposto aplicado aos cigarros da classe de preços mais vendida). Para este ano, a tributação específica do tabaco subiu 1,4% (em linha com a inflação esperada), tendo sido reduzida a tributação adicional em um ponto percentual. Para João Pedro Lopes, esse equilíbrio “não está devidamente calibrado”. Já Miguel Matos, da Tabaqueira, defende que, no caso dos cigarros, é vantajoso “manter ou optimizar marginalmente a actual estrutura, caracterizada pela existência de um maior peso da componente específica do imposto por comparação com a componente proporcional, que é a melhor forma de manter a previsibilidade das receitas”.

No que toca ao contrabando, os números mais recentes das apreensões de tabaco nas alfândegas são ainda de 2016, ano em que as mercadorias ilegais interceptadas rondaram os 36 milhões de euros. Só na alfândega do Aeroporto Humberto Delgado, o número de cigarros apreendidos cresceu 3,5 vezes nesse ano face ao anterior, chegando às 6513 mil unidades.

Um aumento que a directora da alfândega, Miquelina Bebiano, ao apresentar estes números durante uma visita do ministro Mário Centeno ao terminal de carga em Novembro, não dissociou da trajectória de aumento do imposto nos últimos anos.

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