Acerca da existência política de Miguel Pinto Luz

Pinto Luz pensou candidatar-se à liderança do PSD. Não se candidatou. Mas age como se se tivesse candidatado. De repente, aparece com grande lata a impor uma longa lista de exigências ao recém-eleito presidente do partido.

Consta que existe uma pessoa importante no PSD chamada Miguel Pinto Luz, que por acaso ninguém sabia quem era até Miguel Relvas lançar o seu nome numa entrevista ao Expresso (16 de Setembro de 2017) como possível futuro líder do partido. Disse Relvas, ao ser questionado sobre o PSD pós-Passos: “Miguel Pinto Luz, da nova geração, é uma pessoa muito sólida.” A bem dizer, naquela altura Miguel Pinto Luz era uma pessoa muito gasosa – invisível e inodora, como o monóxido de carbono. A maior parte dos leitores terá feito o mesmo que eu: googlar Miguel+Pinto+Luz e ser informado pela Wikipédia de que o senhor tinha sido líder da distrital de Lisboa do PSD (na verdade, a Wikipédia diz que ele ainda é líder da distrital de Lisboa do PSD – convém actualizar), número dois na câmara de Cascais, e secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações no segundo governo de Pedro Passos Coelho, que durou uns espectaculares 27 dias.

Eu, que me esforço por ler jornais diariamente e estar atento à política nacional, não me lembro de ver nenhum texto luminoso de Miguel Pinto Luz sobre o estado do país, nenhuma intervenção marcante, nenhuma iniciativa política que tivesse guardado na memória. Mas sabem como funciona o país: Miguel Relvas fala em Miguel Pinto Luz como hipótese para a liderança do PSD; Marques Mendes alerta que Miguel Relvas falou em Miguel Pinto Luz como hipótese para a liderança do PSD; um editor da SIC Notícias repara que Marques Mendes alertou que Miguel Relvas falou em Miguel Pinto Luz como hipótese para a liderança do PSD; Miguel Pinto Luz é convidado para ir à SIC Notícias explicar porque é que Marques Mendes e Miguel Relvas falaram dele como hipótese para a liderança do PSD; Miguel Pinto Luz passa a ser hipótese para a liderança do PSD.

E assim se dá aquilo que na poesia, na química e na política se chama “sublimação”: a passagem do estado gasoso para o estado sólido. Hoje em dia Miguel Pinto Luz já parece ser um grande nome do PSD, Marques Mendes declara que vai ser uma das principais figuras do próximo congresso, eu já lhe conheço a cara, e ele já é capaz de escrever uma carta muito crítica de Rui Rio que acaba na primeira página dos jornais nacionais. E depois as pessoas espantam-se que Miguel Relvas seja bem pago pela sua actividade de facilitador e promotor profissional – vejam só o que ele foi capaz de fazer com o ex-anónimo Miguel Pinto Luz.

Conquistada a bênção dos bispos laranjas, falta ainda a Miguel Pinto Luz produzir três milagres: escrever um texto luminoso, fazer uma intervenção marcante e tomar uma iniciativa política capaz de impressionar alguém. Pelo que se vê da sua carta a Rui Rio, importa continuar a tentar. Pinto Luz pensou candidatar-se à liderança do PSD. Não se candidatou. Mas age como se se tivesse candidatado. De repente, aparece com grande lata a impor uma longa lista de exigências ao recém-eleito presidente do partido, como se ele fosse Martin Schulz e Rui Rio a sua Angela Merkel. A carta lista tudo aquilo que Rio não pode fazer (“o mandato não lho permite”, garante o polícia Miguel) e as “questões sobre o futuro do país” a que o menino Rui tem de responder na sua moção – porque “os líderes não têm o direito de se comportarem como se fossem Messias”. Miguel Pinto Luz não permite a Rui Rio ser Messias. Já ele não se importa de ser Herodes, tal é a vontade de matar o que ainda mal nasceu. Se isto é o futuro do PSD, tragam-me o passado, por favor.

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