As transparências voltaram a estar na moda

Num momento em que se volta a falar de “transparência” para a vida política, a propósito de algumas iniciativas parlamentares, pode valer a pena recordar essas regras republicanas e as suas virtudes.

Os antigos romanos ganharam a justa fama de perceber alguma coisa de política. E perceberam-na tão bem que conseguiram perverter até ao limite  as boas regras que para esta criaram.

Num momento em que se volta a falar de “transparência” para a vida política, a propósito de algumas iniciativas parlamentares, pode valer a pena recordar essas regras republicanas e as suas virtudes, até porque aquilo que se sabe sobre as propostas no Parlamento é que apostam provavelmente mais em responder ao voyeurismo televisionado do que no reconhecimento do que é a natureza humana no seu cruzamento com o poder. E isso os romanos sabiam-no.

A principal regra do modelo republicano de Roma dizia respeito à limitação dos mandatos. O exercício de um cargo público, qualquer que ele fosse, seria sempre limitado no tempo e, regra geral, irrepetível.

Seria uma boa inspiração também entre nós. Não há motivo para que não exista uma limitação dos mandatos sequenciais a poderem ser cumpridos, desde logo por parlamentares. Mas também por primeiros-ministros e até pelos demais membros do Governo, à semelhança dos autarcas e do Presidente da República. Fomentaria decisivamente uma renovação regular na actividade política e a visão desta como um serviço cívico temporário e não como uma actividade profissional. Vale mais do que dizer, se eu for deputado, quantas assoalhadas tem o meu apartamento ou quanto dinheiro tenho na minha conta a prazo, certo?

Após um máximo de oito ou 12 anos, no caso de legislaturas completas, um deputado regressaria com naturalidade à sua vida profissional, sendo compensado para o poder fazer. Ou assumiria qualquer outra função pública, mas distinta da parlamentar. E isso também significaria que quem estivesse em funções quereria fazer o melhor possível, porque aquela era a sua oportunidade, única, limitada e circunscrita, de o fazer.

Os próprios partidos políticos deveriam assumir esta causa. Não deveria poder haver líderes partidários em funções mais do que um período pré-determinado. Por mais virtuosos, redentores e invencíveis que estes fossem ou parecessem ser. O mesmo aliás se deveria passar nas diversas estruturas locais dos partidos. Chegar-se-ia à conclusão de que mudar a política é fácil. O difícil, portanto, é mudar os políticos.

Claro que isto não garante necessariamente mais qualidade e mais seriedade na política. Tenho aliás muitas dúvidas sobre estes lugares comuns. Desconfio que a qualidade e a seriedade na política devem estar bastante em linha com as que encontramos evidenciadas, em oposição, nesse enorme poço de virtudes que é o tal “sector privado”, mas, obviamente, é politicamente incorrecto dizer-se isto – tal como o será dizer-se que se desconfia igualmente da idolatria pela exclusividade dos parlamentares.

Uma outra boa – e transparente – novidade deveria ser um acesso muito mais simples, rápido e efectivo ao trabalho feito e em curso para cada deputado, em especial se reduzido efectivamente o seu número no Parlamento para algures entre os 100 e os 150 (revisão constitucional precisa-se) e aumentada a sua retribuição e o seu apoio técnico.

Uma queixa comum que se ouve a diversos deputados é a maçada que a actividade parlamentar no seu quotidiano representa. Não me cabe pronunciar sobre as oportunidades de counselling profissional que esta realidade anuncia ou sequer sobre as vantagens da primeira regra atrás formulada para lidar com este spleen crónico. Mas estou convicto de que uma maior visibilidade do trabalho realizado e das matérias em concreto que jazem na esfera de responsabilidade de cada parlamentar seria uma forma mais eficaz de assegurar a tão famosa accountability que todos queremos do que uma qualquer nova “Entidade para a Transparência”.

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