LabCo: um laboratório colaborativo para o Pinhal Interior

Serão as TIC uma oportunidade única para o grande país do interior e para a formação da sua inteligência coletiva?

No dia 16 de julho de 2017 escrevi no PÚBLICO um artigo intitulado “Os interfaces entre a tecnologia e os territórios, uma 2.ª ruralidade?”. Os incêndios de 2017 na região centro chamaram, mais uma vez, a nossa atenção para a dura realidade do nosso “grande país do interior”. São bem conhecidos os nossos pecados capitais em matéria de coesão do território. Trinta anos depois da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a política de coesão territorial é cada vez mais imaginativa, mas, não obstante, os problemas estruturais de longa data permanecem e, sobretudo, não resistem à descontinuação das políticas públicas sobre um longo período.

Volto ao assunto a pretexto do recém-publicado “Programa de Revitalização do Pinhal Interior (PRPI)” (ver PÚBLICO de 11 de janeiro de 2018) e a propósito de uma temática que está praticamente ausente daquele programa, a saber, o “fator tecnológico e digital” e a sua contribuição para o desenvolvimento dos territórios mais desfavorecidos do interior.

Das TIC aos TIC

Num país tão pequeno e tão bem servido de vias de transporte e com o acesso generalizado das gerações mais novas às tecnologias digitais, o problema da “valorização do interior” tem necessariamente de ser pensado e equacionado em outros parâmetros.

Das tecnologias da informação e comunicação (TIC) aos territórios inteligentes e criativos (TIC) da 2.ª ruralidade, eis o desafio. Estaremos nós equivocados ao pensar problemas novos com conceitos velhos? Serão as TIC uma oportunidade única para o grande país do interior, para a formação da sua inteligência coletiva, serão os recursos intangíveis e a produção de conteúdos associada os fatores decisivos para editar os territórios inteligentes e criativos (TIC) do interior?

Tomemos o exemplo da realidade aumentada (RA) e da realidade virtual (RV). A realidade, hoje, já não é o que era. Com efeito, com a realidade aumentada e com a realidade virtual nós acrescentamos realidade à realidade, viajamos no tempo, recuperamos recursos, misturamos o passado virtual e o futuro virtual com a realidade presente. Passamos a ter uma “realidade tridimensional” e, em bom rigor, ambientes digitais em vez de realidades presenciais. Se quisermos, as realidades ditas tangíveis e materiais e, portanto, presenciais, serão transformadas em ecossistemas inteligentes de aprendizagem, conhecimento e recreação, que serão outros tantos recursos intangíveis para juntar aos recursos tangíveis com os quais os nossos singelos territórios do interior estão habituados a lidar.

Aqui está uma grande oportunidade. Estes recursos intangíveis — a realidade aumentada (RA) e a realidade virtual (RV) — aportam valor acrescentado aos territórios já existentes convertendo-os em territórios mais inteligentes e criativos.

Nesta altura é fundamental dizer o que é a realidade aumentada e a realidade virtual, duas tecnologias digitais cada vez mais utilizadas. A realidade aumentada é um ambiente que mistura elementos do mundo real com elementos do mundo virtual, sob o modo interativo, em duas e três dimensões e processada em tempo real. A realidade virtual é a simulação da realidade através da tecnologia, é a compreensão de um universo ficcional, pleno de significado para o entendimento do universo real e a sua transformação digital.

Hoje em dia praticamente todas as áreas de atividade estão ao alcance das TIC: da silvicultura preventiva à ecologia do fogo, da hidrologia à bioengenharia, da agricultura de precisão à luta biológica e à arquitetura da paisagem, da telemedicina aos serviços ambulatórios ao domicílio, já para não referir a verdadeira revolução na visitação turística, que começa por ser uma pré-visitação para se transformar, depois, numa visitação interativa. Nesta visitação interativa, acoplada com toda a espécie de conteúdos, a RA e a RV permitem-nos a observação, em várias dimensões, de endemismos locais, de sítios arqueológicos, de ruínas milenares, de monumentos históricos, de pinturas e arte sacra, de paisagens literárias, de épocas históricas e heróis locais, autênticas viagens no tempo que fazem reviver locais “aparentemente abandonados”.

Este é o verdadeiro significado da “realidade tridimensional e dos seus imensos recursos intangíveis”. Em jeito de síntese, alguns aspetos merecem ser sublinhados: em primeiro lugar, a enorme variedade de recursos que podem ser acrescentados aos recursos materiais originários; em segundo lugar, a emergência de um importante setor de produção de conteúdos quer históricos, literários ou artísticos; em terceiro lugar, aquilo que podemos designar como a ludificação dos territórios a partir, justamente, do seu vasto imaginário; em quarto lugar, a importância de transformar eventos em atos orgânicos tendo em vista estruturar uma pequena economia local; finalmente, a oportunidade única de regressarmos à “celebração ou sublimação de um lugar” que julgávamos perdido ou abandonado.

O laboratório colaborativo do Pinhal Interior

Com tantos sinais distintivos territoriais estaremos, com certeza, muito mais próximos de um território inteligente e criativo. O laboratório colaborativo do Pinhal Interior, acoplado à unidade de missão para a valorização do interior e nascido no seu seio, pode ser o instrumento ideal para levar a cabo esta missão até ao futuro. Os seus principais objetivos seriam os seguintes:

  • Promover uma rede social do Pinhal Interior que ligue esta região ao mundo,
  • Promover uma estrutura de acolhimento para levar a bom porto os projetos e as ações-piloto contidos no PRPI,
  • Promover a “digitalização do PRPI” no que diz respeito a sistemas de informação geográfica (SIG), GPS, RA e RV e outros sistemas digitais,
  • Promover uma rede de espaços de coworking no Pinhal Interior,
  • Promover uma plataforma de crowd sourcing e de crowd funding para recolha de ideias, projetos e fundos de financiamento,
  • Promover a criação de uma rede de microcrédito para pequenos projetos,
  • Promover o marketing digital do Pinhal Interior,
  • Promover uma plataforma tecnológica para as artes e a comunicação e a produção de conteúdos nestas áreas,
  • Promover um programa de envelhecimento ativo e conceber serviços ambulatórios ao domicílio para os seniores do PI,
  • Promover uma rede de residências para voluntários, artistas, investigadores e estudantes que realizem projetos de pós-graduação.

Finalmente, duas missões fundamentais que o LabCo do Pinhal Interior deve promover dizem respeito, em primeiro lugar, aos fundamentos de uma economia colaborativa e solidária, pela conversão, sempre que possível, de eventos e iniciativas soltas e difusas em atos orgânicos enraizados nas comunidades locais e transformados em economia local e, em segundo lugar, os “Embaixadores do Pinhal Interior” e as relações exteriores do Pinhal Interior, pois o PRPI não pode ser pensado apenas de “dentro para dentro”, ele tem de estar aberto ao mundo e ser o interface com as nossas diásporas. Uma tarefa gigantesca, sem dúvida, mas é a única que vale a pena.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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