O Plano de Revitalização do Pinhal Interior

É imperioso dotar a “unidade de missão” de competências e meios substanciais que respeitem a excecionalidade dos acontecimentos.

“O sucesso deste modelo dependerá, assim, de uma maior e melhor articulação entre os organismos públicos, os agentes económicos e a comunidade, num espírito colaborativo e de partilha, porque a dificuldade não estará no desenvolvimento de novas ideias, mas sim em escapar aos resultados das anteriores” (último parágrafo da conclusão).

I. Os principais destaques do ponto de vista programático. Um dos destaques que salta à vista é o número significativo de ações de cariz experimental e piloto (20 em 55 medidas) e a ambição que lhes está afixada. Uma vez avaliada a sua exequibilidade e resultados pode promover-se a sua replicação nas regiões com características idênticas e a sua contribuição para o próximo ciclo de programação no que diz respeito ao financiamento destas regiões afetadas (do texto).

Outro destaque diz respeito ao ordenamento do espaço rústico e em especial às alterações importantes do uso, ocupação e gestão do ordenamento.

Outro destaque diz respeito à operacionalização de uma política inovadora de valorização multifuncional dos recursos da floresta e das suas externalidades positivas, onde se inclui a mensuração dos serviços ambientais e os mecanismos de compensação por eventuais perdas de rendimento.

Outro destaque diz respeito à implementação de uma estratégia concertada e ambiciosa para o cluster da floresta, em especial o pinheiro bravo.

Outro destaque diz respeito aos incentivos para a atratividade de pessoas e capitais.

Outro destaque diz respeito à implementação de novos processos e metodologias de intervenção na floresta, quer em termos de prevenção como de sistemas de vigilância.

Outro destaque diz respeito ao reforço e implementação de serviços de coesão social, em especial os serviços ambulatórios de proximidade.

O último destaque diz respeito ao modelo de governança, de colaboração e partilha entre organismos públicos, agentes económicos e a comunidade, e ao lugar central desempenhado pela Unidade de Missão para a Valorização do Interior (UMVI) com sede em Pedrógão Grande. No modelo de governança destaca-se a “monitorização do programa”, a função central da UMVI em três eixos ou linhas de atuação: a criação de um sistema de informação de suporte ao programa, a discussão do conteúdo das medidas com os outros setores da administração e, por fim, a interação com as entidades externas para garantir o seu envolvimento.

II. A estrutura das medidas e a sua consistência estratégica e operacional. Os destaques programáticos anteriores foram selecionados pelo próprio Plano de Revitalização do Pinhal Interior (PRPI). Do ponto de vista analítico o PRPI é composto por: três objetivos principais, três eixos de intervenção, oito objetivos estratégicos e 55 medidas distribuídas por estes oito objetivos. No plano teórico tudo como dantes, ou seja, não há aqui novidades a registar.

Como facilmente se compreende, os problemas não residem no enunciado das medidas e na sua coerência programática, mas na sua execução e sobretudo no controlo das suas “internalidades e externalidades”. Vejamos onde esses efeitos e arritmias podem surgir e perturbar o normal funcionamento do programa:

  • entre medidas de emergência, de curto, médio e longo prazo que não encaixam,
  • entre suportes informativos diversos que funcionam deficientemente,
  • entre setores de atividade e agentes económicos com respostas divergentes,
  • entre diferentes fontes de financiamento e sua difícil compatibilização,
  • entre medidas de natureza complementar que não se complementam,
  • entre projetos-piloto/experimentais que demonstram pouco ou nada,
  • entre processos consultivos e de parecer que tardam em ser deliberados,
  • entre medidas legislativas e regulamentares que tardam em ser aprovadas,
  • entre circunstâncias que alteram regras iniciais e obrigam à reprogramação.

Como dissemos no tópico anterior, há um fator de risco elevado que fará toda a diferença nos próximos quatro anos de duração do PRPI. Refiro-me às 20 medidas em 55 que se reportam aos projetos-âncora multissetoriais, aos projetos-piloto e experimentais e às dinâmicas colaborativas interinstitucionais (tudo expressões do texto da RCM). Devido aos efeitos internos e externos dessas medidas reside aqui uma das chaves fundamentais do êxito/fracasso do programa. Se forem bem-sucedidas estas medidas alteram o horizonte de vida dos habitantes destes territórios e poderão ser um elemento decisivo de atratividade; se forem um fracasso confirma-se a asserção inicial, isto é, será difícil escapar à mediocridade dos resultados anteriores.

III. Os projetos-âncora, experimentais, piloto e prospectivos. Pela importância de que se revestem e pelo interesse que podem suscitar junto da academia nas ditas “dinâmicas colaborativas interinstitucionais”, fica aqui registado o elenco dos projetos que constam do PRPI (com referência à medida respetiva):

  • sistema de informação cadastral simplificado (111),
  • modelo de compensação de rendimentos por serviços ambientais (121),
  • eco-bio, soluções em economia circular e bioeconomia (133),
  • comunidades colaborativas, programa integrado de mobilização (134),
  • promoção de novos modelos de silvicultura (222),
  • projeto de silvo-pastorícia (233),
  • observatório para a gestão do fogo (311),
  • vigilância e proteção dos fogos (411),
  • aldeias seguras (421)
  • investe pinhal interior (521),
  • programa reabilitar para povoar (611),
  • revitalização das aldeias (612),
  • transporte público flexível (622),
  • pinhal interior conectado (623)
  • capacitação tecnológica do sistema educativo (711),
  • serviços de apoio domiciliário personalizados (811),
  • desenvolvimento cultural do território (831)
  • intervenção e valorização do território (832),
  • educação para a sustentabilidade (834).

É, de facto, uma tarefa gigantesca aquela que a UMVI tem pela frente nos próximos quatro anos. Tudo isto acontece desta forma porque o programa foi concebido de cima para baixo à boleia das medidas já existentes em outros programas e respeitando os nossos tão conhecidos “silos administrativos”. Estou convencido de que muitos destes programas se atropelam uns aos outros e outros estarão lá para “compor o ramalhete”. Em qualquer momento da sua magra execução estes projetos poderão morrer de morte natural ou, então, terão de ser objeto de uma cirurgia reconstrutiva.

IV. A condicionalidade associada às medidas. Outro drama político-administrativo associado às medidas do PRPI é a sua “verificação de conformidade” com os processos e procedimentos que asseguram a chamada “governação multiníveis”: Pedrógão responde a Coimbra, Coimbra a Lisboa, Lisboa a Bruxelas. Quanto mais se anuncia, na retórica do discurso político, a necessidade imperiosa de “territorializar as políticas públicas” mais se constata, no dia-a-dia da administração e dos beneficiários, a afirmação do império administrativo do template, do algoritmo, do vade-mecum, das boas práticas regulamentares, em tudo ou quase tudo o que diz respeito aos processos de candidatura, aos processos de aprovação, aos processos de contratação, aos processos de pagamento, aos processos de inspeção, aos processos de auditoria, aos processos de avaliação, etc.

Eles recriam o enquadramento normativo e regulamentar, geram categorias, códigos e conceitos, tipificam medidas, desenham baterias de indicadores, reconfiguram territórios e destinatários, redefinem regras e procedimentos de monitorização e controlo. Creio que está criada uma clivagem entre o discurso público de legitimação política, obeso de tanta referência à coesão territorial e às abordagens territoriais integradas, e os instrumentos, recursos e organizações que, no terreno, procuram dar corpo a todo esse voluntarismo discursivo inscrito nos programas de coesão territorial, desde logo o “pobre destinatário” que fica obrigado, nos avisos de concursos, a desembolsar verbas para apoio e consultoria, sob pena de ver a sua candidatura prejudicada.

Basta olhar para uma medida — os incentivos à gestão sustentável dos espaços agroflorestais (122) — do Pinhal Interior para ter uma perceção do que significa esta condicionalidade. Nesta medida é dito que os apoios às organizações florestais devem estar: devidamente enquadrados em programas e planos de ação concreta e territorializados, em contratos-programa celebrados com o Estado com os respetivos cadernos de encargos, em programas integrados agro-silvo-pastoris, em protocolos com centros de investigação, em avaliações periódicas de acompanhamento e monitorização, já para não falar dos sistemas de informação com diferentes suportes para diferentes finalidades. Em suma, há um consumo excessivo de tempo, energia e recursos em “funções pobres” de controlo, auditoria e inspeção e pouca atenção às “funções nobres” de planeamento, reticulação e extensão que são fundamentais em territórios extremamente carenciados de iniciativa empresarial. É um recurso tão escasso nas zonas mais desfavorecidas do interior que nenhuma ideia de projeto devia ser abandonada antes de ter sido avaliada in situ a sua real pertinência. Essa é, também, julgo, a obrigação de uma unidade de missão que tem a sua sede nas áreas ardidas.

V. O sistema operativo territorial do PRPI. Creio que a dificuldade maior do PRPI diz respeito ao seu sistema operativo. Quando um programa é filho de medidas já existentes e de sistemas de financiamento já estabelecidos o resultado não poderá ser surpreendente. Mesmo assim, 20 medidas em 55 apontam numa direção mais prometedora, embora falte algum atrevimento na forma como se sugere o upgrading deste território. É verdade, não temos, ainda, uma comunidade intermunicipal do Pinhal Interior, uma agência regional, uma sociedade de desenvolvimento, um fundo de capital de risco, uma rede de microcrédito, uma start up de crowdfunding, uma plataforma tecnológica, uma incubadora de microempresas, um laboratório colaborativo, um espaço de coworking, mas temos em alternativa o “Sistema UMVI” a quem deve ser dada margem de discricionariedade suficiente e “capacidade de arbitragem” independente para abordar todos os conflitos de interesse que nasçam da implementação dos programas e medidas, em especial através da criação de uma “rede colaborativa de iniciativas locais” que nasçam da espontaneidade dos atores e agentes locais e que não encaixam, obviamente, nos requisitos e condições normalizados e padronizados de plataformas, templates e algoritmos.

O “Sistema UMVI” não é, ainda, o triângulo dourado da territorialização das políticas públicas e devia ser. O Pinhal Interior não é, ainda, um território-desejado, a unidade de missão não é, por enquanto, um centro nevrálgico de racionalidade territorial, o programa de revitalização é “um programa de revitalização”, e não pretende ser outra coisa. Julgo, porém, que o “Sistema UMVI” deveria estar mais próximo da metodologia do antigo Programa Leader, com uma subvenção global de financiamento, com um sistema de incentivos territorialmente ajustado, com uma espécie de guichet único e total autonomia para decidir sobre pequenos projetos até um certo montante. O mesmo se diga em relação à necessidade imperiosa de fazer funcionar uma rede de ações-piloto, esquemas imaginativos de envolvimento direto dos alunos e professores das escolas superiores agrárias de Coimbra, Viseu e Castelo Branco, a implicação direta dos técnicos dos municípios e das associações de desenvolvimento local em ações diretas, enfim, o envolvimento das comunidades de interesse dos agentes locais.

Nota final. Os problemas do interior são o produto de décadas de esquecimento, “um programa de revitalização” é apenas o primeiro passo de um longo caminho que faltará percorrer. Por exemplo, o PRPI é muito parco de referências no que diz respeito aos interfaces e interações entre a tecnologia e o território. Desde a silvicultura preventiva, à agricultura de precisão e aos diversos sistemas de alerta, prevenção e vigilância, mas, também, aos “territórios inteligentes e criativos”. Há projetos piloto que abrem a porta para estes territórios-desejados, julgo que temos a obrigação de ensaiar, também, alguns destes percursos.

É imperioso dotar a “unidade de missão” de competências e meios substanciais que respeitem a excecionalidade dos acontecimentos. O PRPI não é mais um “programa integrado”, estamos a lidar com o tecido orgânico e social de uma comunidade, a sua razão de ser. E como uma unidade de missão não é eterna, é necessário fazer, desde já, a aprendizagem da passagem de testemunho. Senão, é um mero simulacro, para afeiçoar afetos e ilusões de gente simples.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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