Maio de 68 começa em Janeiro, nas artes e em Nanterre, como há 50 anos

O Centro Pompidou vai ser o centro nevrálgico de um vasto programa que evoca um movimento social e político que mudou a França e a Europa.

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O filósofo Jean-Paul Sartre foi um dos protagonistas e um dos ícones do Maio de 68 BRUNO BARNEY/ MAGNUM

Cinema, teatro, artes visuais, exposições, colóquios e debates dominam o programa de nove instituições culturais francesas para a celebração do Maio de 68, que começa este mês e vai ter "centro nevrálgico" no Centro Georges Pompidou, em Paris.

O programa envolve a Universidade Paris-Nanterre, onde tudo começou, em 22 de Março de 1968, com a ocupação do campus por uma centena de estudantes, o Théâtre des Amandiers, nesta localidade da área urbana de Paris, Le Palais de Tokyo, o "templo da arte contemporânea", a Cidade da Arquitectura e do Património, a Escola Superior de Belas-Artes, os Arquivos Nacionais, a Biblioteca Nacional de França, a Cinemateca Francesa e o Centro Georges Pompidou, "instituição cultural que o Maio de 1968 prefigura", apresentado como "centro nevrálgico" da celebração.

As nove instituições têm por objectivo ir à origem do movimento político e social, que partiu das universidades e chegou ao operariado, analisar o seu legado e a sua vigência na actualidade, sem cedências à nostalgia, como declarou o presidente do Centro Pompidou, Serge Lasvignes, na apresentação do programa, na passada quinta-feira.

As entidades envolvidas querem dar uma visão global do que foi o Maio de 1968, do papel dos diferentes sectores, do poder, dos estudantes e dos trabalhadores, que protagonizaram o protesto que mobilizou mais de sete milhões de pessoas, levou à greve geral e à dissolução da Assembleia Nacional, no final de Junho desse ano.

O presidente da Universidade de Paris-Nanterre, Jean-François Balaudé, disse que a instituição aposta no papel dos seus estudantes, à semelhança do que aconteceu na origem do movimento, e declara de novo "a imaginação ao poder", com um ano temático, 1968-2018 Prop'osons!

A universidade inaugura as comemorações com a Noite das ideias, a 25 de Janeiro, e prossegue-as com a Primavera das utopias e das liberdades e com as Deambulações 68, para "reinventar o espírito", num "ímpeto de apropriação" do espírito de Maio.

Artistas urbanos vão transfigurar o campus e ocupar também Le Palais de Tokyo, na capital, onde a graffiter espanhola Escif irá intervencionar a fachada, retomando "insultos" e "declarações de amor", do Maio de 68, quando era "proibido proibir".

No Théâtre des Amandiers, em Nanterre, decorrerá, de Abril a Maio, o programa Mundos possíveis, criações artísticas destinadas a "recuperar os territórios utópicos", em colaboração com o Centro Cultural Suíço de Paris (Festival Extra Ball), a Universidade Paris- Nanterre (Global 68) e o Centro Nacional das Artes Plásticas (com filmes de artistas).

Em paralelo, o espaço Terraço das Artes, em Nanterre, apresentará a exposição colectiva 1968/2018, das metamorfoses à obra, que contém trabalhos de Henri Cueco e Jean-Luc Godard, entre outros.

Na Cidade da Arquitectura e do Património estará patente, de 16 de Maio a 17 de Setembro, a exposição Maio 68, a Arquitectura também, enquanto nas Belas-Artes, a partir de 21 de Fevereiro, são reunidas pinturas, esculturas, livros, jornais e revistas da época, consultáveis, a que se juntam cartazes originais, produzidos pelo Atelier Popular, que mobilizou artistas como Eduardo Arroyo, Gilles Aillaud, Olivier Mosset ou Claude Rutault.

A Cinemateca Francesa vai dedicar um ciclo ao realizador Chris Marker (1921-2012), também escritor, fotógrafo e documentarista, nome da Nouvelle Vague e da corrente Rive Gauche, que desenvolveu a ligação do cinema a outras artes.

O ciclo decorrerá de 3 de Maio a 29 de Julho. Antes, de 28 de Março a 15 de Abril, a Cinemateca recria a primeira Quinzena dos Realizadores, secção paralela do festival de Cannes, criada em 1969 pela Sociedade dos Realizadores de Cinema, com origem na contestação do ano anterior.

A primeira Quinzena reuniu mais de 100 curtas e longas-metragens de novos realizadores, escolhidos em oposição à corrente institucional, com filmes como Barravento, de Glauber Rocha; Calcutá, de Louis Malle; Duo Pour Cannibales, de Susan Sontag; Partner, de Bernardo Bertolucci; Une Femme Douce, de Robert Bresson; Paulina s'en Va, de André Téchiné; e Le Lit de la Vierge, de Philippe Garrel, que vão passar de novo na Cinemateca Francesa.

A exposição 68, os Arquivos do Poder, nos Arquivos Nacionais, de 3 de Maio a 22 de Setembro, comissariada pelo historiador Philippe Artières, mostra a história "do outro lado das barricadas", através de centenas de documentos e de encontros com protagonistas da época, como a histórica militante comunista norte-americana Angela Davis.

A Biblioteca Nacional de França, entre outras iniciativas, recorda os Ícones de Maio de 68, numa exposição de fotografia, de 17 de Abril a 26 de Agosto, com "imagens que têm história", recordando Daniel Cohn-Bendit, Jean-Paul Sartre, Godard, ou o instantâneo de Jean-Pierre Ray Marianne 68, que a Life Magazine celebrizaria.

O Centro Pompidou, "epicentro das comemorações", vai demonstrar "a actualidade da revolta" ao longo do ano, e o peso de 1968, na "cultura visual" de França, através de exposições, filmes, conferências, debates e encontros.

A ocupação permanente Maio de 68. Assembleia geral, de 28 de Abril a 20 de Maio, com debates, projecções e oficinas de trabalho, é um dos "pontos nevrálgicos" das comemorações, que o Centro Pompidou inicia já a 1 de Fevereiro, com o seminário de seis semanas Mai 68 en théorie, que se estenderá até Abril.

O fotojornalista do Maio de 68 Gilles Caron, desaparecido no Camboja em 1970, é recordado pela Câmara de Paris com a mostra A coreografia da revolta, que segue as suas reportagens em zonas de confronto, da Irlanda do Norte às ruas de Paris. 

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