Economia Social e IPSS: necessidade de revisitar o quadro institucional de regulação e supervisão

A falta de informação pública completa, regular e sistematizada sobre o sector das IPSS é um problema que continua por resolver.

A Economia Social é em Portugal uma força económica e social significativa. A falta de contas nacionais sobre o sector não permite, no entanto, avaliar com a regularidade desejável e de forma rigorosa a sua dimensão e a mais-valia social gerada, o seu impacto na produção da riqueza nacional, a estrutura das suas fontes de financiamento ou a sua capacidade enquanto entidade empregadora e mobilizadora de trabalho voluntário.

A conta satélite da Economia Social 2013, publicada pelo Instituto Nacional de Estatística, apresenta indicadores que mostram a sua importância. Em 2013, a Economia Social representou 2,7% do PIB e 2,8% do Valor Acrescentado Bruto (VAB) nacional, 5,2% das remunerações da economia e 5,2% do emprego total.

A dimensão humana, de cidadania, de utilidade social e económica, bem como a capilaridade territorial e a proximidade às pessoas, aliada à capacidade agregadora de interesses diversos, de mobilização, de inovação e espírito empreendedor estão no ADN da Economia Social. Estas características fazem dela uma instituição insubstituível e necessária ao crescimento económico e sustentável ao serviço das pessoas, adequando as respostas às suas necessidades, reforçando a cultura democrática através do aumento da participação social das famílias e das organizações dos sectores privado, público e social e da responsabilização individual e colectiva.

Na Economia Social assume particular importância o sector das instituições de solidariedade social (IPSS) através do qual o Estado concretiza as políticas públicas de Acção Social. Os apoios da Acção Social destinam-se a minorar situações de carência, desigualdade socioeconómica, de dependência, disfunção, exclusão ou vulnerabilidade sociais e a promover a integração e promoção comunitária das pessoas, assim como o desenvolvimento das suas capacidades. As ações desenvolvidas têm como alvo principal os grupos mais vulneráveis, nomeadamente as crianças, os jovens, as pessoas com deficiência e os idosos.

A Acção Social é desenvolvida maioritariamente por instituições privadas sem fins lucrativos, através da contratualização de serviços (conhecidos por “acordos de cooperação”) que garante a comparticipação financeira do Estado. Esta comparticipação subsidia as despesas de funcionamento das IPSS e, por essa via, os utentes, pela utilização dos serviços e equipamentos sociais na prossecução de respostas sociais. O valor da comparticipação financeira do Estado é fixado anualmente, estabelecendo-se um quantitativo a atribuir, mensalmente e por utente, em função da resposta social praticada.

Este financiamento é assegurado maioritariamente por transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social. As políticas públicas em questão consomem elevados recursos públicos, atendendo à complexidade e ao nível dos problemas económicos e sociais de uma parte significativa da população. Os níveis de pobreza registados em Portugal mostram a profundidade desta realidade.

No Orçamento da Segurança Social de 2018, o montante inscrito na rúbrica Acção Social ascende a 1,8 mil milhões euros. No período de 2011 a 2018 esta despesa registou uma taxa de crescimento nominal acumulada de 12,5%. Aquele montante inclui apenas a despesa realizada pela administração central. Também as autarquias mobilizam recursos públicos significativos para a Acção Social.

Em 2015, a Acção Social apoiou, no Continente, por via dos acordos de cooperação celebrados pelo Estado com as IPSS, 451 mil pessoas.

A falta de informação pública completa, regular e sistematizada sobre o sector das IPSS é um problema que continua por resolver. Problema que é, aliás, extensivo a outros domínios que envolvem dinheiros Públicos. Faltam, com efeito, dados e informação pública de qualidade e relevante sobre a caracterização e a estrutura do sector nas suas diversas dimensões de gestão e operação e sobre a avaliação do seu desempenho e do seu impacto nos diferentes níveis em que devem ser considerados. Mas falta também transparência e escrutínio público sobre as suas actividades. Basta pensar que o ministério que tutela o sector não permite o acesso público às contas que as IPSS tem de prestar e não dispõe de mecanismos de supervisão que garantam que as contas estão publicadas, como determina a lei, nos sites ou páginas on-line das instituições.

Não se descortinam razões de superior interesse público que justifiquem que as contas e outros elementos relevantes da actividade das IPSS com financiamento público ou que, não tendo financiamento público, aproveitam vantagens fiscais atribuídas em função da natureza da sua actividade/estatuto jurídico, não obedeçam aos princípios da transparência e do escrutínio público.

Num sector tão importante - não apenas pela dimensão de beneficiários abrangidos e volumes de financiamento, mas, também, pela função que desempenha de concretização no terreno das políticas públicas de Segurança Social - a informação crítica, acima referida, constitui uma ferramenta indispensável na gestão dos recursos públicos. É legítimo que nos questionemos como é que é feita a aferição da qualidade da decisão política e da gestão destes recursos públicos.

É também legítimo que nos questionemos sobre a adequação do actual quadro regulatório que regula a actividade das IPSS e dos modelos de regulação e de supervisão em vigor, em relação a um sector com as características referidas, a que acresce um contexto de mudanças de paradigma que colocam novos desafios e riscos económicos e sociais bem diferentes daqueles que tínhamos há décadas atrás. Não é necessário, para o efeito, recuarmos muito no tempo.

O quadro regulatório e os modelos de regulação e de supervisão são fundamentais para a boa utilização dos recursos públicos e para a qualidade do desempenho das IPSS.

Casos recentes mostraram, efectivamente, a insuficiência de intervenção do Estado no controlo da aplicação dos recursos públicos.

São factores com um lastro de intervenção e efeitos muito grande, no qual sobressaem, entre outros, (a) a qualidade e os custos dos serviços prestados, (b) a protecção e segurança dos seus beneficiários, (c) a garantia do acesso dos mais desfavorecidos e vulneráveis ao sistema, (d) a adequação do nível do financiamento do Estado ao binómio custo e qualidade das respostas/ rendimento das famílias, (e) os incentivos à melhoria da qualidade do serviço e à capacitação de gestão, (f) os modelos de governance e as boas práticas de gestão, (g) o desenvolvimento de fontes de financiamento complementares, (h) a adequação da contratualização à sustentabilidade das respostas, (i) os mecanismos de avaliação e monitorização ou (i) os mecanismos de fiscalização e intervenção e os regimes de responsabilização e sancionatórios.

Ao Estado compete promover o empowerment do sector e não criar obstáculos ao seu desenvolvimento. Este posicionamento não se confunde com as obrigações que sobre o Estado impendem de contratualizar com entidades sem fins lucrativos serviços com a natureza de bens públicos que lhe compete assegurar; e de também dispor de um quadro de regulação e de supervisão robusto que responda adequadamente à protecção de pessoas e dos bens públicos em questão.

A confiança no sector implica que a sociedade civil se reveja no funcionamento destas instituições e nas funções regulatória e de supervisão do Estado num quadro de eficácia, responsabilização e transparência. 

É neste contexto de exigência que faz sentido avaliar e repensar os instrumentos regulatórios e de supervisão em vigor e o modelo institucional que os define e administra. 

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

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