A ocasião pode fazer o ladrão (I): o "Brexit" e a distribuição de lugares no PE

A grande questão é pois: o que fazer aos 73 deputados? E como aproveitar a sua saída para finalmente executar e cumprir o princípio da proporcionalidade degressiva?

1. Em cada legislatura, o Parlamento Europeu, em articulação com o Conselho Europeu (em que têm assento os chefes de Estado e de governo), é chamado a definir a distribuição do número de deputados por Estado-membro. Há cerca de cinco anos, escrevi neste espaço uma série de artigos sobre o risco de esmagamento dos países médios, dando nota das tensões, conflitos e negociações que rodeavam esta operação. À época, estava em jogo a adesão da Croácia que obrigava a uma redistribuição de 12 deputados. A necessidade de mexer no equilíbrio existente fez com que surgissem propostas no sentido de operar uma reforma muito mais profunda. Por um lado, procurando garantir que se cumpria o princípio da proporcionalidade degressiva, que é o critério imposto pelo Tratado de Lisboa e que então não era respeitado (como, de resto, hoje também não é). Tal princípio consiste na regra segundo a qual “quanto mais populoso é um Estado, maior deve ser o número de votos necessários para eleger um dos seus deputados”. Por outro lado, já no domínio da “lei eleitoral”, propondo a criação de um círculo europeu único que elegesse 25 (ou até mais) deputados, ideia conhecida por “lista transnacional”. Somando os 12 representantes atribuíveis à Croácia aos 25 da lista transnacional, haveria um défice de 37 deputados. Eis o implicava uma revolução na relação subsistente entre os vários Estados, orientada para um reforço dos grandes e para uma séria diminuição dos médios. A dita revolução era operada pela adopção de uma fórmula matemática - supostamente neutral - que pudesse ser aplicada a qualquer altura e dispensasse o processo de barganha caso a caso. Era a então célebre fórmula de Cambridge, de cuja aplicação resultava uma perda de 3-5 deputados para muitos dos países médios (4 no caso de Portugal). Na altura, liderámos a barragem e a oposição à adopção desta fórmula - que, como qualquer outra, era tudo menos neutral - e conseguimos reverter por inteiro o processo. Assim, a ideia da lista transnacional abortou, ficando apenas a necessidade de preencher os 12 lugares destinados à Croácia. Estabeleceu-se um limite de perda máxima de 1 deputado por Estado e usando de um critério inspirado na proporcionalidade degressiva, 12 Estados (entre os quais Portugal e a própria Croácia) perderam precisamente um deputado. Além do mais, inscreveu-se no relatório o princípio dos vasos comunicantes: só pode haver uma mudança significativa no equilíbrio dos Estados no PE, quando houver uma revisão das regras de votação no Conselho. Efectivamente, em federações como a Suíça ou os Estados Unidos, o peso dos Estados na câmara alta obedece à regra da igualdade entre todos eles, estádio que nem de longe nem de perto resulta da regra da dupla maioria, actualmente em vigor no Conselho. Só quando houver paridade (ou mais paridade) no Conselho, se poderá acentuar seriamente a proporcionalidade no PE. O desenlace final, aceito pelo Conselho Europeu, traduziu-se numa enorme contenção das perdas para os países médios, mas numa manutenção da violação do critério da proporcionalidade degressiva. Foi sobre esse signo que decorreram as eleições europeias de 2014, com o compromisso de que a dita violação seria revista até ao final de 2016, no que à legislatura europeia seguinte (2019-2024) diz respeito.

2. O referendo britânico e a vitória do "Brexit" mexeram com esse calendário indicativo. E, verdade seja escrita, mexeram com muito mais do que o calendário! Ocorrendo a saída do Reino Unido a 29 de Março de 2019, já não haverá deputados britânicos no hemiciclo na próxima legislatura, pelo que vagarão 73 dos 751 lugares do PE. A grande questão é pois: o que fazer aos 73 deputados? E como aproveitar a sua saída para finalmente executar e cumprir o princípio da proporcionalidade degressiva?

3. Existe hoje um consenso no sentido de não redistribuir a totalidade dos 73 deputados, deixando espaço para novos alargamentos e, bem assim, para uma eventual criação da controversa lista transnacional (sobre a qual haverá aqui muito para dizer).

4. Existe outrossim um consenso no sentido de nenhum Estado perder deputados na legislatura de 2019-2024. Trata-se de um autêntico ponto de partida e ponto de honra. Com efeito, ninguém perceberia que, subsistindo 73 lugares livres no PE, se aprovasse uma solução que implicasse a perda de lugares para qualquer Estado. A ideia de que Portugal não vai perder deputados em 2019 corresponde a uma enorme vitória é, por isso, em si e por si, uma ideia fantasiosa. Era só o que faltava: que o PE libertasse 73 lugares e Portugal ainda assim tivesse de perder deputados! A questão não está, pois, na resposta simplista de que em 2019 não se perdem deputados. Está, isso sim, noutras duas frentes, quiçá três, em que temos mesmo de ser inflexíveis e liderantes.

5. Primeira frente: a tentativa de impor uma fórmula matemática que implique perdas a prazo para Portugal e para os países médios. Estão em cima da mesa emendas - Verhofstadt e Wieland, por exemplo - que adoptam fórmulas permanentes de cálculo com perda de representantes para Portugal em 2024 e nas legislaturas seguintes. Mais: elas até implicam essas perdas agora e já, mas são corrigidas com compensações temporárias - que excepcionalmente dão a Portugal 1 ou 2 deputados em 2019 - para mascarar a quebra que ocorreria se fossem imediatamente aplicadas!

6. Segunda frente: a tentativa de criar a lista transnacional, que só servirá para reforçar o peso dos países grandes, não tem paralelo em nenhuma federação, serve os propósitos populistas antieuropeus e alarga o fosso entre eleitores e eleitos. Em suma, prejudica Portugal e os países médios.

7. É justamente a estas duas frentes que aqui voltaremos, com nota, mais uma vez, das enormes tensões e movimentações que estes jogos de poder sempre originam.

SIM E NÃO

SIM. Presidente da Coreia do Sul. A abertura aos atletas do Norte nas Olimpíadas e a conversar com representantes de Kim Il Sung cria canais alternativos absolutamente imprescindíveis.

NÃO. Ministro das Finanças. A subida do imposto sobre produtos petrolíferos, de supetão e disfarçada, é da ordem do abuso e da usura. Onde pára o badalado milagre económico? 

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