A Catalunha e o impasse democrático europeu

A encruzilhada da Catalunha é quase uma metáfora da encruzilhada da Europa.

As eleições na Catalunha confirmaram, de forma particularmente expressiva, a tendência verificada numa Europa em convulsão: 2017 foi o ano do impasse democrático. Ou seja, o ano em que as democracias liberais e o Estado de Direito que lhes está nos genes enfrentaram um fenómeno de paralisia e regressão, acentuando as ameaças herdadas de 2016, na sequência do “Brexit” e da eleição de Trump.

Em 2017, a excepção Macron em França funcionou — e funciona ainda, de algum modo — como barragem à torrente do populismo que parecia imparável desde o ano anterior, quando a vaga migratória estimulou um pouco por toda a Europa a expansão acelerada dos movimentos nacionalistas e de extrema-direita. A pausa introduzida pelo recuo dos populistas nas legislativas holandesas e nas presidenciais austríacas mas acentuada sobretudo pela vitória de Macron — de resto, um terramoto político de proporções absolutamente inesperadas — chegou a fazer crer que esses movimentos estariam em queda. Mas não viria a ser assim, como se constatou nas posteriores eleições legislativas alemães e austríacas, onde o extremismo eurocéptico voltou a marcar pontos significativos e, sobretudo, a criar graves dificuldades à formação de um novo governo em Berlim, epicentro do poder europeu (por muito que não queiramos admiti-lo).

O cenário desenhado por Macron de uma refundação da Europa foi inevitavelmente afectado pela fragilização de Merkel e pelo declínio dos sociais-democratas germânicos face à irrupção dramática da extrema-direita e à viragem eurocéptica dos antigos liberais. Mas seria preciso ainda acrescentar outras sombras na paisagem, nomeadamente em Itália, onde os ventos sopram também a favor da extrema-direita e do desencanto europeu. Tudo isto enquanto, no Leste pós-comunista, a Hungria e a Polónia se colocam cada vez mais ostensivamente nos antípodas de uma Europa democrática e liberal, pondo em causa o Estado de Direito (não por acaso, a Comissão Europeia sentiu-se já obrigada a reagir, esta semana, à deriva antidemocrática polaca).

Foi, pois, neste contexto turbulento que ocorreram as eleições catalãs, acabando por confirmar as doenças de que sofre a Europa, encarada cada vez mais como uma abstracção ou uma negação. Na Catalunha temos uma sociedade dividida a meio, entre a paixão nacionalista e a fixação espanholista, e onde não parece haver — pelo menos num tempo útil que tanto urge — uma saída para o impasse. Nem do ponto de vista político nem do ponto de vista jurídico — tendo até em conta a situação dos dirigentes presos ou no exílio — se vislumbram soluções que permitam um regresso à normalidade constitucional, económica e social.

O imbróglio parece insuperável. Os independentistas detêm a maioria dos lugares no parlamento mas estão divididos e a percentagem de votos obtida pelo conjunto das respectivas forças é inferior à que lhes permitiria legitimar a vitória da sua causa suprema. Por outro lado, a longa guerra de desgaste que aparentemente se avizinha entre o Governo de Madrid — cujo partido saiu das urnas com o mais humilhante dos resultados — e os independentistas não oferece, para já, nenhuma perspectiva de conciliação com os interesses e direitos dos catalães, sejam eles a favor da independência ou contra ela.

A encruzilhada da Catalunha é quase uma metáfora da encruzilhada da Europa. A única alternativa ao nacionalismo e ao fechamento cego dentro das respectivas fronteiras reside num modelo de convergência de vontades a que só um projecto federal, com visão ampla e generosa, poderá dar resposta.    

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