Teatro: o melhor do ano

Escolhas de Gonçalo Frota e Inês Nadais.

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Órfãos

De Dennis Kelly; Tiago Guedes (encenação)

São Luiz Teatro Municipal, Lisboa (2 a 17/12)

O texto em queda livre de Dennis Kelly é uma vertigem que Tiago Guedes dirige de forma enxuta, delegando nas mãos de um admirável trio (Isabel Abreu, Tónan Quito e Romeu Costa) que atira a peça para a absoluta ruína humana. São três bombas-relógio a operar em simultâneo e a sobrepor salvação e danação. G.F.

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9

History History History

De Deborah Pearson

Culturgest, Lisboa (22 e 23/02)

Deborah Pearson cresceu obcecada com as consequências que os pequenos gestos poderiam ter no seu futuro. Este one woman-show em que partilha o palco com um antigo filme húngaro é um espectáculo desencadeado pela história familiar em que os destinos pessoais e colectivos se contagiam e traem em permanência. G.F.

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8

Mãe

De Gabriela Carrizo; Peeping Tom

Centro Cultural de Belém, Lisboa / Festival de Almada (11/07); Centro Cultural Vila Flor, Guimarães (17/09)

Este espectáculo existe na fronteira em que os belgas plantam as suas obras: entre o teatro e a dança, obedecendo a uma narrativa, mas sem que esta detenha grande poder em palco. Voltando a submeter a família a generosas doses de absurdo. G.F.

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7

Acabar em Beleza

De Mohamed El Khatib

Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa (18 a 25/02)

A partir do momento capital da morte da mãe, Mohamed El Khatib recolheu todo o tipo de materiais para montar uma peça que se balança entre o comovente e o cómico descabido que emerge nas situações mais terríveis. G.F.

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6

Arde Brilhante nos Bosques da Noite

De Mariano Pensotti

Teatro Maria Matos, Lisboa / Lisboa 2017 — Capital Ibero-Americana da Cultura (21 e 22/01)

O fracassado destino de todas as revoluções, tendencialmente submetidas à humilhação final do merchandising ou, pior, da exegese académica, é ponto de partida para a invenção de uma prodigiosa máquina teatral. Mas para lá da parafernália técnica foi sobretudo a nossa ancestral e redentora pulsão para a ficção que Mariano Pensotti voltou a desinquietar neste seu regresso a Lisboa. I.N.

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5

Despertar da Primavera, uma tragédia de juventude

De Frank Wedekind; Teatro Praga

Centro Cultural de Belém, Lisboa (24 a 27/02); Teatro Viriato, Viseu (5/05); Centro Cultural Vila Flor, Guimarães / Festivais Gil Vicente (2/06); Teatro Nacional São João, Porto (13 a 23/07)

A tradução de José Maria Vieira Mendes, transpondo o original alemão para uma língua transgénero, mash-up de novo vernáculo e português erudito, estrangeirismos du jour e Gil Vicente para sempre, já seria feito para se reclamar que acontece aqui algo a que o teatro português nunca se aventurara. Mas acontece aqui mais do que isso, incluindo a festiva chegada de outros corpos e outras sexualidades ao mainstream do teatro nacional — no sítio certo, à hora certa, com o texto certo. I.N.

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4

Sopro

De Tiago Rodrigues; Teatro Nacional D. Maria II; Tiago Rodrigues (encenação)

Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa (2 a 19/11)

No centro, a ponto do Teatro Nacional — Cristina Vidal. Mas também o teatro como lugar de memória e espaço de transmissão. E a memória como matéria passível de ser transformada, enquanto versão da realidade fatalmente destinada a ser contada depois de limada pela imaginação. G.F.

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3

Campo Minado

De Lola Arias

Culturgest, Lisboa (3 e 4/06); Teatro Nacional São João, Porto / FITEI (8 e 9/06)

A guerra que transformou Margaret Thatcher numa celebridade global não passa de uma nota de rodapé da História do século XX, mas é toda a história dos seis veteranos (três de cada lado) com que a argentina Lola Arias construiu este espectáculo – ao mesmo tempo que, tendo encontrado no teatro uma maneira de sair do passado de cabeça erguida, eles se reconstruíam a si próprios. I.N.

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2

Five Easy Pieces

De Milo Rau; International Institute of Political Murder; Milo Rau (encenação)

Teatro Maria Matos, Lisboa (16 e 17/09); Teatro Municipal Campo Alegre, Porto (22 e 23/09)

A partir da mais inflamável das matérias-primas (o escândalo de pedofilia que voltou a dar à Bélgica, um império colonial depois, a fama de lugar onde o inominável pôde acontecer), Milo Rau fez o trabalho sujo que acha que o teatro também serve para fazer – implicando crianças e adolescentes no processo. O que alcançou com eles em palco é, epifanias individuais à parte, uma poderosa reafirmação do teatro como lugar de catarse e regeneração colectiva. I.N.

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Ensaio para uma Cartografia

De Mónica Calle

Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa (23/03 a 9/04); Centro Cultural Olga Cadaval, Sintra / LEFFEST (17 e 18/11)

Quando abandonou o Cais do Sodré, onde estava instalada a sua Casa Conveniente, Mónica Calle virava costas a uma zona em vias de deixar de ser o chamariz que sempre fora para gentes e actividades menos iluminadas a fim de se transformar na nova paragem obrigatória da noite de Lisboa, uma paragem onde o seu teatro, próprio das margens e delas se alimentando, se tornava um corpo estranho. Em 2014, essa saída do Cais do Sodré rumo ao Bairro do Armador (antiga Zona J) foi encenada na série de espectáculos Sete Pecados Mortais; este ano, Calle regressou a essa ideia, convocando as 11 actrizes que a tinham acompanhado para repetirem uma coreografia ao som de Leonard Bernstein a ensaiar o Bolero de Ravel. Pouco importa se é teatro, dança ou qualquer outra coisa aquilo a que assistimos; é seguramente um espectáculo assombroso, protagonizado por 12 mulheres nuas de roupas e de palavras, em torno da dignidade da tentativa, da superação, da beleza da insegurança, da fatalidade do erro, da inevitabilidade da imperfeição, da fragilidade do corpo, do valor do esforço. Uma pungente declaração de que somos mais felizes a tentar e a falhar do que a desistir e a aquiescer. G.F.

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