Desafio de Marcelo deu origem a estudo que quer fim da derrama

Estudo sobre investimento empresarial em Portugal vai ser apresentado sexta-feira na Universidade do Minho.

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Presidente da República vai intervir no dia da apresentação do estudo Enric vives-rubio

“A baixa progressiva da derrama estadual, até a anular, deveria constituir um primeiro aspecto a considerar na política fiscal” em Portugal. O diagnóstico consta de um estudo feito para analisar políticas para a promoção do investimento empresarial em Portugal, coordenado por Fernando Alexandre, professor associado da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, e que vai ser apresentado nesta instituição na sexta-feira. No evento participam também personalidades como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Acontece que a medida sugerida pelo estudo, que surge na sequência de uma conferência sobre o investimento promovido por Marcelo Rebelo de Sousa realizado em Março na Gulbenkian, vai em sentido contrário ao que está a verifica-se: a partir de Janeiro, a derrama estadual de IRC paga pelas grandes empresas vai ser agravada, passando de 7% para 9% sobre os lucros acima de 35 milhões de euros, após um entendimento entre o PS, PCP e Bloco no âmbito do Orçamento do Estado para 2018.

“A dívida pública muito elevada e a dificuldade em controlar a despesa pública (sobretudo devido à pressão das prestações sociais) têm levado os governos a aumentar a carga fiscal. Actualmente, a tributação dos rendimentos das empresas (IRC, derramas e tributação autónoma) é das mais elevadas da OCDE”, contextualiza Fernando Alexandre. “Sugerimos no nosso trabalho que nos aproximemos dos valores médios da OCDE, nomeadamente através de uma eliminação gradual da derrama estadual. O Governo decidiu no sentido contrário, deteriorando ainda mais a posição de Portugal nesse indicador”, acrescenta, em declarações ao PÚBLICO.

À frente de um grupo de economistas da Universidade do Minho e da Universidade de Coimbra (Pedro Bação, Carlos Carreira, João Cerejeira, Gilberto Loureiro, António Martins e Miguel Portela), que responderam de forma coordenada à Gulbenkian após o desafio lançado por Marcelo Rebelo de Sousa, este responsável realça que, “porque não somos competitivos em matéria de IRC”, seria importante “nesta área, acompanhar a tendência internacional”.

De acordo com o estudo, composto por 160 páginas e onde se abordam vectores como o financiamento e endividamento, os recursos humanos e suas qualificações, ou o investimento público, à primeira vista, com uma taxa nominal de IRC de 21%, Portugal não compara mal em termos globais. No entanto, “a percepção dos investidores, quer nacionais quer internacionais, é negativamente afectada por um regime que apresenta uma taxa nominal aparentemente competitiva, mas que, de facto, impõe uma carga fiscal determinada por elementos adicionais (derramas e tributações autónomas) que elevam a taxa global (combined tax rate) bem acima da taxa nominal”, que chega actualmente aos 29,5%.

Feitas as contas, os autores do estudo dizem que em 2014 a derrama estadual, a derrama municipal e as tributações autónomas representaram 1,29 mil milhões de euros, “ou seja, 35% da colecta normal do imposto”. No caso das taxas de tributação autónoma, estas não escapam a críticas, com o estudo a afirmar que “perderam o seu propósito inicial de luta contra a evasão e fraude, evidenciando actualmente uma amálgama de objectivos sem um fio condutor que não seja o de angariar receita”.

“A fiscalidade poderia não ser muito importante se tivéssemos vantagens comparativas face aos nossos concorrentes noutras dimensões”, afirmou ao PÚBLICO Fernando Alexandre. No entanto, acrescentou, “como mostramos no nosso trabalho isso, infelizmente, não acontece, seja em termos de qualificações, seja em termos da flexibilidade do mercado de trabalho, seja na confiança dos investidores em relação à sustentabilidade da nossa dívida pública e à nossa recuperação”.

“Ou seja”, sublinha, na fiscalidade, “se o elevado peso da despesa e da dívida pública tornam impossível sermos competitivos num horizonte curto, ao menos que se evite agravar a nossa falta de competitividade, como acontece com a decisão de aumento da derrama máxima de 7% para 9%. As grandes empresas, que são afectadas por este imposto, representam quase 40% do investimento empresarial total”.

Há, ainda, a questão da falta de estabilidade fiscal, já que no caso do IRC chegou a existir um acordo para a sua descida articulado em 2013 pelo PSD, CDS e PS. Dois anos depois, o acordo chegou ao fim por parte do PS, que, realça Fernando Alexandre, faz aumentar agora a taxa máxima para 31,5% (com a subida da derrama estadual). 

No trabalho encomendado pela Gulbenkian, diz o seu coordenador, salienta-se também “a tributação elevada sobre os rendimentos do trabalho, que compara desfavoravelmente com países como a Espanha ou a França”. Para Fernando Alexandre, “num contexto de grande mobilidade do trabalho altamente qualificado – o factor talvez mais decisivo na atracção de investimento com capacidade de aumentar o potencial de crescimento da economia – as elevadas taxas de IRS prejudicam também a competitividade da economia portuguesa”.  

Depois, e olhando só para a o tema da fiscalidade empresarial, surgem mais outros dois tópicos, o do reporte de prejuízos e o da litigância. Para os responsáveis do estudo, “o regime português de reporte de prejuízos - que é importante para investidores cujos projectos geram inicialmente perdas avultadas –é um dos mais restritivos da U.E.”. Aqui, refere o documento, “o retrocesso recente de 12 para 5 anos, visando evitar perda de receita, é prejudicial como indicador fiscal a avaliar pelos investidores”.

Já na vertente da justiça, o país, afirma-se, “fica sistematicamente muito mal classificado” em estudos internacionais no que toca ao prazo de resolução dos litígios. “O reforço de meios dos tribunais fiscais e a ponderação do alargamento dos limites actualmente existentes na arbitragem fiscal devem ser vectores de política a considerar no curto prazo”.

Na semana passada, ao encerrar o 1.º congresso dos gestores portugueses, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que tem ouvido preocupações por parte de empresários e gestores com “o que, a seu ver” são “sinais adversos ao investimento empresarial”. Isto ligado a questões como os impostos e os custos de produção, que vieram alimentar “perplexidades e, sobretudo, desmotivações” decorrentes “de decisões ou medidas inseparáveis do equilíbrio político-institucional vigente".

Esta sexta-feira, e depois de ter lançado o primeiro desafio em Março, o Presidente da República estará no sítio certo para voltar ao tema.  

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