“PSOE tem de querer governar à esquerda e sair da sombra do PP”

Trocou a universidade pela política e é hoje vice-presidente do único governo autonómico espanhol que integra o Podemos, uma experiência de coligação com o PS que espera ver replicada no país.

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José García Molina é vice-presidente de Castela La Mancha DR
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Pablo Iglesias e Pedro Sánchez, condenados a entenderem-se? Reuters

José García Molina fez em Portugal a sua primeira incursão fora de fronteiras em busca do que chama ‘O melhor de Espanha e o melhor da Europa em Castela La Mancha’, práticas que quer levar para região onde é vice-presidente. Nascido em Barcelona há quase 50 anos, preocupado com a “fractura social” aberta na Catalunha, veio confirmar que “sim, é possível” um governo de alternativa à direita, mesmo que essa continue a ser a mais votada.

Nesta espécie de visita de estudo, o antigo professor de Educação Social reuniu-se com deputados do Bloco de Esquerda (incluindo a líder Catarina Martins) e com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. Também foi à câmara de Lisboa conversar com Ricardo Robles, o novo vereador da Educação, Saúde, Direitos Sociais e Cidadania, depois do acordo alcançado com Fernando Medina, e com Paula Marques, vereadora da Habitação, eleita nas listas do PS mas parte do movimento Cidadãos Por Lisboa.

Há algum motivo para esta viagem acontecer agora ou foi só uma questão de oportunidade?

Desde que entrámos no Governo queríamos fazer uma coisa a que chamámos ‘O melhor de Espanha e o melhor de Europa em Castela la Mancha’. Queremos ver formas de governabilidade e de governação que nos pareçam interessantes e também aprender com medidas políticas concretas que queiramos  impulsionar em Castela La Mancha. Por exemplo, no que respeita a políticas de habitação, de emprego, de energia, de bem-estar social há bastantes coincidências. Falámos dessas políticas com quem tem responsabilidades no Governo mas também falámos de habitação na autarquia, aqui está a preparar-se uma nova lei de habitação e queremos fazer o mesmo. Trata-se sobretudo de aprender, ver o que se está a fazer noutros sítios quando acreditamos que se está a fazer bem e adaptá-lo à nossa realidade em Castela La Mancha.

Já estiveram noutros países?

Já fizemos este exercício com outras comunidades em Espanha, em Madrid, Catalunha, Navarra, Euskadi. Mas é o primeiro país. 

Há uma espécie de obsessão dos comentadores em Espanha em sublinhar  o que o Podemos vai perder com a Catalunha. O futuro nacional do Podemos depende do resultado das eleições de 21 de Dezembro?

Não creio, é preciso esperar. Tenho a sensação de que já há alguns meses que o voto começou a estabilizar-se. Voltámos a ter dois blocos, só que já não são formados por dois partidos mas pelo menos por quatro. A lógica, e essa é a minha aposta, é que o Partido Socialista e o Podemos se tenham de entender. O Cidadãos pode jogar com todos os lados e creio que já o demonstrou, saltando do centro nuns temas para se situar à direita do PP, como na Catalunha. Mas a lógica seria haver um bloco de direita e um bloco progressista. E é preciso começar já a pensar em soluções com este modelo, necessariamente plurais. Isso vai gerar problemas, a democracia espanhola não está habituada. Quase sempre se governou com maioria absoluta ou uma certa comodidade.

Já têm algum tempo de experiência a fazer concessões em Castela La Mancha.

Nestes dois anos e meio, desde que chegámos às Cortes aprendemos muito. Mas acho que todos aprenderam. Castela La Mancha teve maiorias absolutas durante 32 anos, não havia nada para negociar. A entrada do Podemos rompe essa lógica. E isso, para alguns, foi traumático. Todos tivemos de nos habituar a uma nova forma de fazer política. Penso que o que está a acontecer na Catalunha é exacerbado por políticos que pensam que assim beneficiam eleitoralmente. Eu tenho dúvidas, parece-me muito irresponsável porque a fractura social que se está a abrir na Catalunha é muito grave, e não só na Catalunha, em Espanha.

E como vê o papel do PSOE?

Aí sim, creio que é urgente – e falo disso com eles – que o Partido Socialista volte a ser um partido de Estado, que queira governar connosco, dar esse passo, e não pôr-se à sombra do Partido Popular, que para além de ser o partido mais corrupto da Europa está a fazer um dano tremendo à democracia e ao país.

Mas na Catalunha o PS já se pôs do lado do PP e dos Cidadãos, com a defesa do artigo 155. Não é tarde?

Bem, não estou muito preocupado com o futuro político imediato da Catalunha. Não acredito que as eleições produzam resultados muito diferentes dos que existiam e penso que será difícil formar governo.

Ou seja, a formação podemista catalã, Em Comú Podem, pode ser fundamental na definição da próxima legislatura.

Estou convencido que sim. Mas creio que o mais importante é sair desta lógica de bloco, de supostos independentistas e constitucionalistas – constitucionalistas somos todos. E de todas as formas, o bloco independentista, a ERC e o PDeCAT já o começaram a assumir erros no processo.

A Esquerda está a fazer outra coisa também, a tentar voltar aos temas, aos problemas  das pessoas.

Claro, às questões chaves. Curiosamente foi o que dissemos sempre. É lícito que queiras ser independente mas dentro dos parâmetros democráticos. A unilateralidade era um caminho que não levava a lado nenhum, tal como não concordamos com o constitucionalismo forçado. Insitucionalmente vai voltar-se depressa a alguma normalidade. Mais difícil vai ser enfrentar a fractura social. A minha família vive em Barcelona, os meus pais, irmãs, primos, tios, e há preocupação, polarizou-se demasiado o debate.

Ao falarem com membros do Bloco e com Pedro Nuno Santos, concluiram que uns e outros olham para os problemas e soluções encontradas de modo muito diferente?

Creio que na análise geral todos falam mais ou menos do mesmo, coisas que acontecem connosco. Queremos ir um pouco mais rápido e mais longe. E o PS, talvez pela sua história, tradição, estrutura, compromissos, muito tempo no governo, vai mais lentamente. A sensação das conversas com os dirigentes portugueses foi essa. Encontraram temas onde deram passos muito importantes, no salário mínimo, pensões, questões enérgicas, mas um vê mais as limitações e outros vêem mais o desejo de que as coisas mudem. É normal, por isso são duas forças políticas, não só diferentes no que propõem programaticamente mas também na forma como fazem política. E creio que há várias semelhanças com o que se passa em Castela La Mancha, nós queremos mais e mais rápido mas entendemos que saímos de uma situação muito complicada, numa região que foi o laboratório de políticas neoliberais em Espanha.

E claro, destas reuniões saiu a vontade de sublinhar esta ideia de que é falso que não haja alternativas. Isso em Espanha também acontece, ou seja, a direita continua a ganhar eleições em número de votos, e em Castela la Mancha também, apesar da dureza das medidas e da corrupção, penso que já não perde mais votos. E se as forças progressistas não são capazes de entender que sozinhas não serão suficientes é muito grave. A palavra responsabilidade está mal conotada, mas temos a responsabilidade de nos entendermos e de trabalhar a partir da diferença mas em conjunto.

Apesar de Mariano Rajoy garantir que não é possível que a actual legislatura termine antes do prazo. Será desta vez possível o acordo não alcançado depois das anteriores eleições?

Veremos. A questão passa muito pelo PSOE e por aquilo a que chamo ‘o dilema [Pedro] Sánchez”. Quando finalmente venceu as primárias do partido, impondo-se com um discurso virado à esquerda, que admitia erros, a primeira coisa que fez foi assinar um acordo de preferência legislativa com o Podemos. Um acordo que não chegou a concretizar-se. Claro que a Catalunha foi um desestabilizador mas não pode ser desculpa para tudo. Não consigo compreender como é que se passa de ganhar o partido com uma mudança à esquerda para este PSOE que se apresenta sem parecer querer ser governo. É um momento muito complexo, de caos, maspoderia ser uma oportunidade para o PSOE se assumir em vez de se pôr à sombra do Governo. Já é chegada a hora que este Partido Socialista volte a ser o dos anos 1980, mas actualizado. Aquele partido em que os meus pais votavam por significar progresso, modernização.

O Podemos é um partido muito jovem com uma base de apoio fiel mas também um nível elevado de recusa – gente que nunca votaria e não confia no partido. Isso pode ter a ver com a quantidade de membros sem experiência política, vindos da academia, como é o seu caso?

Não sei, o que é óbvio é que muitas experiências estão a correr bem, tanto a nível municipal como em acordos pontuais em Aragão e na Estremadura, apesar de Castela La Mancha ser o único caso em que integramos o governo. Parece que a nível estatal há sempre mais reticências. E já todos os jornais fizeram manchetes catastrofistas sobre ‘E se o Podemos chegasse ao poder’. O que eu sei é que as maiorias absolutas acabaram e que estamos condenados a entendermo-nos. Talvez o resto do país e dos socialistas possam olhar para a nossa experiência. Estamos num executivo de uma comunidade e o mundo não acabou nem deixou de sair água das torneiras. 

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