A Declaração Balfour: cem anos de uma história de luz e sombra

Há precisamente 100 anos, a declaração constituiu um marco fundamental na caminhada do povo judeu para a criação um lar na Palestina

Há precisamente 100 anos, a 2 de Novembro de 1917, o governo britânico emitiu uma declaração que iria acelerar a história do povo judeu e de todo o Médio Oriente. Com efeito, a Declaração Balfour, do nome do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Lord Arthur James Balfour, e endereçada a Lord Rothschild, então presidente honorário da Federação Sionista da Grã-Bretanha, manifestava a simpatia quanto às aspirações sionistas afirmando que “O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para o Povo Judeu e empregará os seus melhores esforços no sentido de facilitar a realização deste fim [...]”.

O que levou o governo britânico a emitir esta declaração em plena Primeira Grande Guerra? Lloyd George, primeiro-ministro, e o próprio Balfour simpatizavam com o sionismo e a sua visão cristã de retorno do povo judeu à terra de Israel terá eventualmente pesado, tal como a intensa vaga de perseguições anti-semitas na Europa e, especialmente, na Rússia, onde os judeus eram massacrados em violentos pogroms. Mas sobretudo e de forma mais pragmática, a imperiosa necessidade de vencer a guerra procurando, através do apoio ao sionismo, a simpatia e influência das grandes comunidades judaicas dos então países neutros, EUA e Rússia.

Na verdade, na sua guerra contra as potências centrais, a Grã-Bretanha promete tudo a todos: um futuro reino árabe no crescente fértil ao Sherif Hussein de Meca, em troca do apoio militar contra o Império Otomano, ao mesmo tempo que na Primavera de 1916 assinava secretamente com a França os acordos Sykes-Picot, que previam a distribuição dos despojos do Império Otomano entre as duas potências. No final da guerra, a criação dos novos Estados tem em conta acima de tudo os interesses das potências vencedoras, a Inglaterra e a França: na conferência de San Remo em Abril de 1920, a França recebe da Liga das Nações o Mandato sobre a Síria e o Líbano, enquanto a Inglaterra fica com o Mandato sobre o Iraque e a Palestina, em contradição com os compromissos estabelecidos com o Sherif de Meca e com as promessas contidas na Declaração Balfour. Para além disso, as fronteiras entre aqueles territórios não foram claramente delimitadas o que, permitindo interpretações contraditórias, se traduzirá num pomo de discórdia e disputa que se mantém até aos dias de hoje. 

O próprio texto da Declaração era muito mais vago do que aquele que Lord Rothshild efectivamente solicitara a Balfour por carta datada de Julho de 1917. Não contém nenhum compromisso britânico com o estabelecimento de uma entidade ou de um Estado Judaico na Palestina, nem sequer alude a uma qualquer hipótese de autonomia política. Era sobretudo uma declaração política, sem força de lei, e podendo ser interpretada de diferentes maneiras, como o será mais tarde a começar pelos próprios ingleses, que nunca desenvolveram qualquer estratégia para a implementar na prática.

Muito pelo contrário: em 1922, para além de amputar o território palestiniano de quatro quintos da sua superfície, “oferecendo” a Abdallah, filho de Hussein, a extensa faixa na margem oriental do Jordão — o reino da Transjordânia —, o governo britânico publica um primeiro “Livro Branco” restringindo a imigração judaica à capacidade de absorção económica da região, o que mais tarde, nos anos de 1930, terá consequências trágicas.

Apesar de tudo isto, a Declaração constituiu um marco fundamental na caminhada do povo judeu para a criação um lar na Palestina. Veio culminar um intenso esforço político e diplomático do sionismo ao longo da Primeira Grande Guerra no apoio à Grã-Bretanha e seus aliados a fim de subtrair a Palestina do domínio otomano. Foi também de alguma forma o início da consagração vitoriosa do combate do fundador do sionismo político, Theodor Herzl: o reconhecimento internacional através da legitimação por uma grande potência das aspirações sionistas. O principal obreiro desta declaração foi Haim Weizmann, cientista judeu inglês. O seu nome está indissoluvelmente ligado à Declaração Balfour e a partir daí a todas as etapas decisivas da história do sionismo, até à sua eleição como primeiro Presidente do Estado de Israel, em 1948.

Para as massas judaicas, a Declaração representou uma imensa esperança e foi recebida com manifestações de júbilo e fervor. Em Odessa, uma manifestação de 100.000 pessoas, convocada pela Organização Sionista, junta-se em frente do consulado britânico, cantando o hino Hatikvá em hebraico e o God Save The Queen, no meio do delírio geral. Por todo o lado, na Europa e na América, saúda-se efusivamente o acontecimento e alguns oradores comparam Balfour a Ciro, o rei da Pérsia que 2500 anos antes autorizara o regresso a Jerusalém dos judeus exilados na Babilónia. Recebida e interpretada pelo mundo judaico como a legitimação internacional das aspirações sionistas, a Declaração Balfour tornou-se no segundo grande marco da história do sionismo político — após o primeiro congresso sionista em 1897 — e o início de uma nova fase do árduo combate pelo Estado.

Esta semana, Londres comemora o centenário da Declaração Balfour, rejeitando o pedido de perdão solicitado pela Autoridade Palestiniana para quem a Declaração apenas trouxe “catástrofes, miséria e injustiça”. Na sua recusa, o governo britânico afirma: “Estamos orgulhosos pelo nosso papel na criação do Estado de Israel... Estabelecer um lar para o povo judeu na terra com a qual tinham laços históricos e religiosos tão fortes era a coisa certa e moral a fazer, em particular tendo em conta os séculos de perseguição.”

Na verdade, a história não volta atrás. Mas é possível construir uma nova história onde a “miséria e a injustiça” não tenham mais lugar. Desde que os seus intervenientes, todos os seu intervenientes, assim o queiram verdadeiramente...

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