Atentado em Nova Iorque foi preparado com meses de antecedência

Presidente sugere prender autor do ataque, um uzbeque de 29 anos, na base militar de Guantánamo e mudar a lei da imigração; e atribuiu responsabilidades a um senador democrata.

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Trump criticou o sistema judicial norte-americano: "é de rir" KEVIN LAMARQUE/Reuters

Sayfullo Saipov, o imigrante uzbeque que conduzia o camião que atirou contra peões em Nova Iorque na terça-feira, foi formalmente acusado pela autoria das oito mortes que causou e parece ter ligações a outros suspeitos de terrorismo. O FBI anunciou na noite de quarta-feira que identificou um outro homem, também de origem uzbeque, que está a ser investigado para se apurar se prestou algum tipo de auxílio.

Saipov, de 29 anos, já foi ouvido pela primeira vez em tribunal, onde se apresentou de cadeira de rodas devido aos ferimentos que sofreu na fuga. Horas antes, pediu autorização para ter uma bandeira do Daesh no hospital. Terá abdicado do direito de permanecer calado, diz a Reuters. O ataque estava há ser planeado há muito tempo – talvez há um ano, diz o New York Times –, embora só tenha decidido usar um camião há dois meses. Seguiu “ao pormenor” instruções divulgadas pelo Daesh para atentados com veículos, disse Jon Miller, o número dois da polícia nova-iorquina.

O FBI procura agora informações sobre Mukhammadzoir Kadirov, de 32 anos, avança a Associated Press.

November 1, 2017 ">

O Presidente, Donald Trump, reagiu no Twitter, disparando em várias direcções que convêm à sua agenda política: primeiro, prometeu um sistema ainda mais apertado de verificação de entrada de cidadãos estrangeiros nos Estados Unidos. De seguida, responsabilizou o programa que teria possibilitado a ida de Sayfullo Saipov, o atacante, para os Estados Unidos – “obra de Chuck Schumer”, classificou, referindo-se ao senador democrata de Nova Iorque. “Queremos [imigração] baseada no mérito.”

O programa de que fala Trump existe desde o início dos anos 1990 e foi aprovado por republicanos e democratas como parte de uma lei de imigração então assinada por um presidente republicano, George H. Bush. Schumer reagiu à acusação criticando Trump: “Não é demasiado cedo para politizar uma tragédia.” E contra-atacou: “O Presidente Trump devia estar concentrado na solução real – verbas para o antiterrorismo, que propôs cortar no seu mais recente orçamento.”

Trump admitiu ainda, em declarações aos jornalistas, prender o autor do ataque, que foi atingido a tiro pela polícia no abdómen mas sobreviveu, na base norte-americana de Guantánamo – onde estão apenas detidos em missões no estrangeiro. “Também temos de arranjar um castigo bem mais rápido e bem maior do que o castigo que estes animais andam a ter.” O sistema judicial do país, criticou ainda Trump, é “de rir”.

Vários analistas apontaram a enorme diferença entre a reacção de Trump a este atentado e o tom sereno do Presidente na sequência do tiroteio em Las Vegas, o mais grave ataque a tiro dos tempos modernos na América que fez 58 vítimas mortais em Outubro, em que estava em discussão o controlo de armas. 

Lobo solitário?

O atacante deixou uma nota dizendo algo como “o Daesh irá perdurar” e o governador do estado de Nova Iorque, Andrew Cuomo, disse que Saipov parece ter-se radicalizado após a chegada aos EUA, há sete anos.

Segundo Cuomo, todas as indicações apontavam para um ataque tipo “lobo solitário”, em que há apenas inspiração em acções de movimentos terroristas, sem contacto directo com operacionais da organização.

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Imagem do suspeito em fuga TAWHID KABIR XISAN/REUTERS

O número dois da polícia de Nova Iorque, John Miller, observou que o atacante parece ter seguido “ao pormenor” instruções publicadas pelo Daesh sobre ataques com veículos.

As autoridades fizeram um esforço de prevenção deste tipo de ataques, disse Miller, contactando mais de 148 locais de aluguer de camiões para alertar os responsáveis para sinais de perigo. Miller não especificou se a polícia tinha visitado o local em que o atacante alugou o veículo, uma loja da Home Depot (uma cadeia de lojas de bricolage em que é possível também alugar veículos de transporte) em Nova Jérsia.

O atacante atravessou a ponte para Manhattan e seguiu por uma ciclovia à beira-rio atropelando peões e ciclistas, parando só quando embateu numa carrinha escolar. Nessa altura, saiu do veículo com duas armas falsas e foi aí que foi atingido por um polícia. Os responsáveis de Nova Iorque – governador Andrew Cuomo e mayor Bill de Blasio – dizem que as leis mais restritivas do estado contribuíram para que o atacante não tivesse usado armas de fogo. 

Entre os mortos estão um grupo de cinco amigos argentinos e um turista belga. Há ainda 11 feridos, dos quais dois alunos que estavam na carrinha.

Cautela

O analista de contraterrorismo da estação de televisão norte-americana CNN Phil Mudd pedia cautela na análise ao atentado antes de este ser declarado como terrorismo: “É preciso saber mais: o seu estado mental, uso de álcool ou drogas, o que diz a família, os empregadores.” “Tenho 95% de confiança de que é um caso de terrorismo”, disse. “Mas dêem-nos mais uns dias para perceber os factos.”

A mulher de Saipov estava a ser interrogada e a colaborar com as autoridades. O casal tem três filhos. Saipov trabalhou, nos últimos seis meses, para a Uber.

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A ligação uzbeque

A jornalista do New York Times Rukmini Callimachi‏, que tem acompanhado o assunto Daesh, chama a atenção para alguns pormenores: a nota deixada pelo atacante estava escrita em árabe, língua que ele não dominaria. A nota original não foi divulgada – as palavras usadas poderiam esclarecer se foi Saipov a escrever a nota ou se recebeu instruções, o que poderia apontar para uma ligação mais próxima ao grupo.

O facto de o atacante vir do Uzbequistão também é relevante: Callimachi observa que entre os 40 mil combatentes estrangeiros do Daesh na Síria, o maior grupo vinha de repúblicas da antiga União Soviética, muitos eram uzbeques, e que outros ataques do Daesh foram levados a cabo por uzbeques, como o da passagem de ano em Istambul.

Rita Katz, do site Intelligence Group, centro que supervisiona movimentos extremistas, diz que o facto de não haver reivindicação não exclui que haja uma ligação. “Há muitas razões para o ISIS [Daesh] não ter reivindicado, talvez porque o atacante ainda está vivo. Uma demora não é assim tão rara.”

Este foi o atentado mais mortífero em Nova Iorque desde o 11 de Setembro de 2001, não sendo, porém, comparáveis: na altura, houve um elaborado plano com 11 suicidas da rede terrorista Al-Qaeda que usaram quatro aviões para atingir vários alvos, dos quais dois foram as duas Torres Gémeas em Manhattan, e fizeram quase 3000 mortos.  

O governador Cuomo declarou que o ataque “falhou”. “Sim, perdemos oito vidas, e chorámos e rezámos”, disse. “Mas tivemos a nossa parada de Halloween, estamos aqui, estamos a continuar, a celebrar, os miúdos estão a ir à escola – os terroristas falharam mais uma vez.” 

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