Líder destituído fala aos catalães no mais normal dos sábados

“Oposição democrática” à intervenção de Madrid na Catalunha, pede Puigdemont. O dia depois de todas as votações foi uma espécie de folga do turbilhão das últimas semanas. Resta saber quanto vai durar.

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Seria um sábado normal, não fossem os cidadãos que se aproximaram de Puigdemont, chamando-lhe “presidentRafael Marchante/Reuters

Se há quatro semanas, véspera do referendo inconstitucional sobre a independência, alguém dissesse aos catalães que nada de especial ia acontecer neste sábado, 28 de Outubro, poucos acreditariam. Menos ainda se sonhassem que na véspera o seu parlamento autonómico tinha aprovado a “proclamação da República catalã como Estado independente e soberano”.

“O que é que se vai passar? O que eu vejo é que não se passa nada”, diz Marta, 25 anos, que veio da Cantábria visitar a amiga Anna, a viver em Barcelona há três anos. Estão sentadas num dos bancos em redor da praça mais central da cidade, a da Catalunha, e a descrição de Marta não podia ser mais rigorosa – se esquecermos as televisões que fazem directos com vista para os pombos que habitualmente ocupam o lugar principal da praça.

Dificilmente se imaginaria um sábado mais normal em Barcelona, um dia depois da proclamação da independência e da aprovação da intervenção de Madrid na Catalunha, o temido artigo 155 da Constituição. Nas Ramblas há o sobe e desce do costume. De repetente, ouvem-se sons de uma banda. É uma manifestação de um grupo de defesa dos transexuais.

Quando disse aos pais que vinha a Barcelona este fim-de-semana, eles tentaram dissuadi-la. “Quando se está longe, a ver da televisão, parece que há uma guerra”, diz Marta. A calma antes da tempestade?

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“Não deixa de ser estranho, depois da festa que os independentistas fizeram, e hoje nem se vêem esteladas [a bandeira com a estrela dos soberanistas]”, nota Anna, nascida na Extremadura. Sim, é estranho. Mas há pouco neste processo que não o seja.

Anna conta que consegue falar com os colegas de trabalho, mesmo com um que vota na CUP (Candidatura de Unidade Popular, o mais à esquerda dos partidos independentistas), e com o namorado, catalão, sobre política. “Às vezes, nas conversas, há momentos mais tensos, mas fica tudo bem.” Anna quer ficar a viver em Barcelona: “Gostava muito, estou muito bem aqui, mas preferia viver em Espanha.”

“Oposição democrática”

Na verdade, Anna vive em Espanha. Ou então já não, se ouvirmos os dirigentes catalães. “O Parlament cumpriu com o que os cidadãos votaram a 27 de Setembro [de 2015], quando a maioria saída das urnas encomendou a proclamação da independência”, disse Carles Puigdemont, nas escadarias da sede da Generalitat em Girona, numa intervenção transmitida em directo na televisão catalã.

O Governo de Mariano Rajoy queixou-se à TV3 por ter chamado “presidente” a Puigdemont, horas depois de assinado o decreto que destitui o governo catalão.

Certo é que Puigdemont falou como presidente – e vários dos seus conselheiros (equivalente a ministros) deram provas de que continuam a trabalhar, mesmo que os Mossos d’Esquadra lhes tenham retirado a escolta habitual.

Puigdemont não ignorou que “o Conselho de Ministros espanhol acordou a destituição de todo o governo da Catalunha e a dissolução do parlamento”. Mas são, diz, “decisões contrárias à vontade dos cidadãos do nosso país que sabem perfeitamente que numa sociedade democrática são os parlamentos que elegem ou destituem os presidentes”. Posto isto, pede a todos que defendam a nova república através da “oposição democrática” ao artigo 155.

Puigdemont falou de Girona, cidade de que foi autarca e onde nunca deixou de viver, antes de almoçar fora e de se passear pelas ruas com a mulher. Um sábado em tudo normal, não fossem os cidadãos que se aproximaram, chamando-lhe “president” e gritando “Catalunha livre”. O cenário não podia ser mais perfeito. Girona está pejada de esteladas.

“Independência para quê?

Na praça da Catalunha de Barcelona, Inés, Roger e Paul começam por avisar que são “um pouco diferentes”. Ela não é nem deixa de ser independentista, ainda não se decidiu. “Acho que havia muita gente iludida e esperançada e agora vai cair-lhes tudo em cima. Muita gente deverá ser detida”, antecipa a jovem de 17 anos.

“Eu não falo com ninguém sobre isto. Só com os meus pais”, diz Roger, olhos azuis e pele tão morena como ruivo é o cabelo de Paul, a mesma cor de olhos. “Eu também, só em casa”, afirma Paul, o único a admitir os ocasionais “comentários menos simpáticos” da parte de colegas independentistas. “Tentamos não dar nas vistas. Mas ontem [sexta-feira] foi impossível”, conta Inés. “Com a declaração uns estavam eufóricos, outros indiferentes”.

“Vai doer-lhes muito”, diz Inés, a falar dos soberanistas. "Daqui a uma semana imagino que rebente, que possa ser uma espécie de guerra”, antecipa Paul.

“Não temos nem queremos ter a razão da força. Nós não”, disse Puigdemont, que falou com uma bandeia europeia e outra catalã atrás de si. Em Barcelona, no topo do Palácio da Generalitat, a bandeira de Espanha continua ao lado da catalã.

Na praça de Sant Jaume, em Barcelona, já não se festeja a independência. Há uma só estelada, colada à parede da câmara, de frente para o Palau, onde se lê “Por um país com direitos”. Está junto às tendas e aos caixotes da “Acampada por um país com direitos”, movimento que já se estende a 14 cidades, conta Josep. Querem falar de “despejos, precariedade, de gente a dormir debaixo de cartões”. Trouxeram cartazes e folhetos para distribuir onde perguntam: “Independência para quê? Espanha para quê?”

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