Isto para não falar de Tancos

À primeira vista, este deve ter sido o maior puxão de orelhas ao Governo de António Costa feito pelo Presidente.

O Governo vai mesmo ter um problema com a tragédia de Pedrógão Grande. Ontem, em dois ou três minutos, Marcelo fez os avisos todos: disse que já leu o relatório dos independentes (haja alguém); levantou o sobrolho para dizer que as decisões “já tardam” e apontou o dedo para dizer à esquerda que as indemnizações às vítimas são devidas e urgentes. À primeira vista, deve ter sido o maior puxão de orelhas ao Governo de António Costa feito por este Presidente.

A verdade é que o Governo parece ter paralisado com a tragédia. Ontem, António Costa desvalorizou as palavras do Presidente, no dia anterior a ministra desvalorizou o relatório. E, olhando para o Orçamento do Estado de 2018, desvalorizou a questão de fundo: o Ministério da Administração Interna é dos que menor reforço orçamental têm; a única indicação de investimento que se encontra é de equipamento para os bombeiros; não se vê qualquer margem para as mudanças operacionais que se exigem depois do que aconteceu. E tudo aconteceu já há três meses, bem antes de o documento fechar.

Na próxima semana, o Governo receberá pelo menos mais um contributo: Xavier Viegas, o especialista que Constança Urbano de Sousa contratou para estudar o fogo desde que se percebeu o número de vítimas, entregará a sua visão sobre as causas da tragédia. Poucos dias depois, o Conselho de Ministros terá uma última oportunidade para fazer aquilo que António Costa jurava que estava feito: modernizar o combate ao fogo, revolucionar a organização da Protecção Civil. 

O que os técnicos sugeriram nos últimos dias é de uma ambição gigantesca, mas só segue as linhas que desde 2007, há dez anos, os maiores especialistas já vinham reclamando. Exige investimento, exige ir contra muitos interesses e vontades. Exige, por isso, força e vontades políticas fortes. 

Há dez anos, o então ministro António Costa não quis que se fizesse esse caminho. Hoje, a ministra Constança Urbano de Sousa não tem a força política para o fazer — e o primeiro-ministro, o mesmo António Costa, não sabemos até onde está disposto a ir.

Diz-se muitas vezes que não há segundas oportunidades para criar uma primeira boa impressão. Neste caso, o Conselho de Ministros do próximo sábado será mesmo a última oportunidade para limpar uma péssima impressão e impulsionar uma mudança de facto. Com humildade, sem foguetórios, porque é da segurança de todos que estamos a falar. E da memória dos que morreram também: nas mudanças e nas indemnizações, como bem lembrou o Presidente.

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