Ministro da Ciência pôs-se ao lado de cientistas que se manifestaram para evitar desemprego

Iniciativa decorreu em Lisboa e no Porto esta quarta-feira.

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Fernando Veludo/NFactos

Cansados de ouvir simpatia e sensibilidade para as suas reclamações, os cientistas foram esta quarta-feira, ao início da tarde em Lisboa, à Assembleia da República admitem apelar agora directamente ao primeiro-ministro, António Costa, para procurar uma solução que os salve do desemprego. E ao final da tarde, no Porto, também os investigadores também se manifestaram contra a falta de continuidade dos programas anteriormente celebrados e entregaram em mão uma carta ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, que se colocou ao lado dos cientistas.

“Queremos fazer chegar a nossa voz ao primeiro-ministro, de outra forma isto é abafado e não passa do Ministério da Ciência, que não está interessado em resolver o nosso problema”, começou por dizer em Lisboa à agência Lusa a neurocientista Teresa Summavielle, da Universidade do Porto, uma das investigadoras recebidas na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência.

Ao fundo da escadaria principal da Assembleia da República esperavam-na cerca de 30 colegas investigadores de todo o país, que se vêem confrontados com a perda de emprego e do trabalho de investigação que fizeram nos últimos cinco anos ao abrigo do programa Investigador da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Josefa Pandeirada, investigadora em psicologia na Universidade de Aveiro, afirmou que os primeiros contratos, totalizando quase 300 pessoas, começam a expirar em Abril de 2018 e que “não existe qualquer proposta” em cima da mesa para dar continuidade ao trabalho de cientistas com funções de responsabilidade na investigação científica portuguesa “que têm levado o país a patamares de excelência”.

Acabados os contratos e sem estar assegurada a sua renovação ou a criação de uma carreira para a investigação científica, marcada actualmente pela precariedade, ficam a meio projectos dos investigadores em causa e o trabalho das equipas que muitos coordenam e que já trouxeram muito financiamento às universidades e instituições portuguesas. “Façam as contas. Se contarem todo o investimento, todos os postos de trabalho criados, todo o desenvolvimento de empresas que gerámos, vão ver que pagar-nos compensa”, apelou a investigadora.

A resposta dos deputados da comissão, segundo a investigadora, foi: “Estamos sensíveis e vamos estudar medidas”, o que, “de certa forma, é nada”.

“Ciência de qualidade sem precariedade” foi a palavra de ordem da concentração ao fundo das escadas de São Bento, onde o biólogo Bruno Nunes, da Universidade de Aveiro, alertava para o efeito do fim dos contratos nos rankings internacionais onde as universidades portuguesas gostam de figurar. “Assistimos na comissão a um jogo do empurra de responsabilidades políticas. Estamos a falar de danos à academia nacional, na sua capacidade de angariar fundos, na leccionação, que também asseguramos, estamos a falar de equipas inteiras que vão desaparecer.”

Ainda em Lisboa, Teresa Summavielle acrescentou que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior está mais virado para criar emprego científico para investigadores mais jovens e que isso se fará à custa dos investigadores seniores, que não são abrangidos.

Manuel Heitor diz rever-se nesta guerra

Os investigadores admitem que o programa de regularização dos vínculos precários na administração pública poderá ser uma maneira de saírem da precariedade, mas não querem que isso se faça à custa da perda de posição nas carreiras. Da tutela, não esperam grande coisa: “O Ministério [da Ciência] não tem, de facto, feito nada, porque diz que não pode impor vontades aos reitores e que as instituições não têm fundo para contratar todos”, indicou Teresa Summavielle.

Já no Porto ao final da tarde, os investigadores entregaram a Manuel Heitor uma carta que tinha sido lida antes no Parlamento. Abordado pelos manifestantes, que o esperavam frente à Biblioteca Almeida Garrett, nos Jardins do Palácio de Cristal, o ministro dialogou com os investigadores, respondendo a perguntas durante cerca de 25 minutos. Apoiou as críticas e preocupações que lhe foram transmitidas e comprometeu-se a agendar uma reunião com reitores e investigadores.

“Assino e transcrevo esta carta. Vejo e revejo-me nesta guerra”, admitiu Manuel Heitor, sobre o documento que inclui as reivindicações dos investigadores, pedindo um “esforço colectivo” e concordando com os problemas apresentados. Na carta, diz-se que actualmente Portugal está “acima ou ao mesmo nível de muitos países europeus”, graças à uma série de programas realizados nos últimos 20 anos, sublinhando os contratos celebrados em 2007 e 2012, nos quais foram contratados cerca de 2000 investigadores.

Fernando Lima, um dos responsáveis pela concentração feita à porta da Biblioteca Almeida Garrett, sublinhou à Lusa que nos últimos cinco anos “foram criadas expectativas” e que agora que os contratos celebrados chegam ao fim estão “a enfrentar o desemprego e emigração”. “Somos dos países que têm mais investigadores no estrangeiro. Vim para cá [do estrangeiro] porque este programa finalmente tinha um propósito a longo prazo”, acrescentou Fernando Lima. “Estes contratos eram para ser continuados, ou podíamos concorrer a contratos semelhantes, ou então seríamos absorvidos pelas instituições onde ficamos”.

Para Josefa Pandeirada, a reunião desta quarta-feira no Parlamento teve pelo menos um aspecto positivo, o de dar visibilidade aos problemas dos investigadores seniores, que já passou por bolsas de pós-doutoramento e vários programas e que, em alguns casos ao fim de mais de dez anos, se vê “a braços com nada”.

Depois de oito anos de trabalho em regime precário, a antropóloga Catarina Fróis, da Universidade de Lisboa, afirmou à Lusa que “o que está para trás” no seu trabalho e no de centenas de outros colegas “é deitado fora” se não houver solução.

Dos mais de 800 investigadores com concursos dos programas da FCT de 2012 e 2013, 246 assinaram um manifesto pela regulação do emprego científico. Metade dos que assinaram tem vivido de contrato em contrato há mais de dez anos. 

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