Violeta Parra, um (feliz) aniversário português

Os 100 anos do nascimento de Violeta Parra foram celebrados em Lisboa num concerto em que o prazer da música se sobrepôs a tudo o resto.

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Violeta Parra DR

Não é muito vulgar olhar para um palco e ver um grupo de músicos felizes pelo simples prazer de tocar, sem grandes preocupações de pose ou outras. Tal como é pouco comum vê-lo num lugar onde o ambiente que se respira não é o do silêncio bem-comportado dos espectáculos comerciais, mas o bem mais ruidoso das colectividades de recreio. Mas foi isto a que assistimos (com gosto, diga-se) na noite em que Violeta Parra cumpriu 100 anos, 4 de Outubro, no salão de festas da centenária Voz do Operário, em Lisboa.

A obra e a memória da histórica cantora e compositora chilena (e também pesquisadora, folclorista, radialista, escritora, pintora, escultora, serapilheirista) já fora objecto de outras manifestações artísticas em Lisboa, entre as quais a homenagem que lhe foi prestada por várias cantoras (Aline Frazão, Mísia, Lula Pena, Rita Redshoes, Señoritas) em Abril, no Capitólio, ou o concerto das suas filha e neta, Isabel e Tita Parra, em Setembro, no Centro Cultural de Belém. O concerto-homenagem do grupo El Sur, embora à margem da agenda das celebrações oficiais (as que envolveram a EGEAC e Lisboa 2017 – Capital Ibero-Americana de Cultura), acrescentou a estas a vivacidade de uma entrega amadora, no melhor sentido do termo. O grupo, composto por Rui Galveias (guitarra eléctrica e acústica), Maria Joana Figueiredo (voz, e que voz), Francesco Fry di Carlo (acordeão), Rui Alves (bateria) e Tiago Neo (baixo), trouxe ainda um punhado de amigos a juntar à celebração: Pedro Sotiry (teclas), Florent Kouzmienko (saxofone) e os cantores Vitorino, Helder Moutinho, Joana Guerra e Fabiola Moroni, uma jovem chilena que em Lisboa se move nas áreas do jazz latino.

E foi com todos eles que se fez a festa. Primeiro com um denso e cadenciado Que he sacado com quererte, depois com um Lamento mapuche a puxar ao rock (o que é uma marca da banda, levando o que soa a tradicional para áreas pop, rock ou mesmo punk). Milonga para la lluvia, de Angel Parra (filho de Violeta, também cantor e compositor, que morreu em Março deste ano), teve na voz de Helder Moutinho um bom momento, onde fado e guitarra eléctrica se cruzaram com resultados satisfatórios. Ausencia trouxe de novo à ribalta a voz expressiva de Maria Joana Figueiredo, que viria a cantar depois Que piena siente el alma. Entre as duas, porém, foi a vez de Vitorino se atirar a um tema que assentou como uma luva na sua voz e interpretação, Paloma ingrata. E depois da pomba? O pombo. Fabiola, com Joana Guerra no violoncelo, cantou El palomo com todo o sentimento, sucedendo-lhe no microfone Joana Guerra (que não lhe ficou atrás) com El Pueblo, musicado e cantado por Violeta a partir de um poema épico de Pablo Neruda.

Mira como sonríen (com entusiasmada batida punk) abriu caminho ao regresso de Helder Moutinho, para cantar mais um tema de Angel Parra, Canción de amor. Para não perder o fio aos sentimentos, seguiu-se Corazón maldito, na voz de Fabiola Moroni. Muito bom. Já a caminho do fim, Vitorino cantou o célebre Gracias a la vida e a vocalista do grupo, Maria Joana Figueiredo (que fazia anos no dia 5 e ali ouviu, perto da meia-noite, os “parabéns”) retomou as rédeas do espectáculo para recordar o dilacerado Run run se fue pa’l norte. O fecho fez-se com Volver a los diecisiete na voz das três cantoras, agora juntas em palco.

O entusiasmo reinante, no palco e na audiência, levou a dois encores: no primeiro, ouviu-se Maldigo del alto cielo numa atmosfera de rock progressivo; e no segundo, El arado, de Victor Jara, e Todo cambia, tema eternizado por Mercedes Sosa (mas composto por Julio Numhauser, um fundador do grupo chileno Quilapayún), que reuniu em palco todos os participantes. Mais do que um simples concerto, a noite que El Sur dedicou a Violeta Parra foi uma celebração musical entusiástica. O que não é pouco, nos dias de hoje. 

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