Graças à vida e à música ainda temos Violeta para mais séculos

Isabel e Tita Parra celebram o centenário da sua mãe e avó da melhor forma: com músicas eternas e do presente. A herança de Violeta Parra está viva e recomenda-se. Depois do CCB, Loulé, dia 14.

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Isabel Parra e Tita Parra no CCB MIGUEL MANSO
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Isabel Parra e Juan Antonio Sánchez MIGUEL MANSO
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Tita Parra MIGUEL MANSO
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Tita Parra MIGUEL MANSO
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Isabel e Tita Parra e Greco Acuña MIGUEL MANSO

Cem anos após o seu nascimento e meio século depois da sua morte, Violeta Parra (1917-1967) ainda é, para muitos, motivo de descoberta. E o mais fascinante, nesse exercício, é confirmar a cada passo que a imagem que muitos dela têm como cantautora de canções que se tornaram hinos de liberdade é redutora da complexidade e genialidade de que se reveste a sua obra, que é imensa. Mesmo que nos circunscrevamos à composição musical, ou ao seu vasto trabalho de folclorista, aquilo que conheceremos é apenas uma parte do que ela compôs ou compilou. Mas o mais surpreendente, mesmo para quem já conhece as suas composições, é descobrir que há nela uma genial filigranista de palavras, sons e sentidos, revelando uma erudição e uma sensibilidade raras em composições tão cativantes quando elaboradas e difíceis. E de uma grande modernidade.

Isto mesmo está patente no espectáculo Yo Soy La Feliz Violeta, onde Isabel e Tita Parra, filha e neta da cantora e compositora chilena, revisitam a sua obra, e cantando também canções de sua autoria. Com dois notáveis músicos, também chilenos, Greco Acuña (percussão) e Juan Antonio Sánchez (voz, guitarra, charango, flauta), o espectáculo estreou-se dia 12 no CCB, em Lisboa, num Pequeno Auditório cheio e segue agora para o Cine-Teatro Louletano, em Loulé, dia 14 às 21h30. O concerto do CCB teve apoio do Conselho Nacional da Cultura e das Artes do Chile, integrado na programação da Lisboa Capital Ibero-americana de Cultura 2017 (com a EGEAC).

O arranque do espectáculo, com todos os seus integrantes em cena, faz-se com uma rapsódia de temas de Violeta Parra (El guillatún, Casamiento de negros, Rin del angelito, La pericona se ha muerto). No fim, Isabel Parra diz: “Esta é a música que vem do Chile, de Victor Jara, de Angel Parra, de Violeta Parra”. E delas, também, herdeiras e continuadoras não só da “dinastia” Parra como da melhor linhagem da música popular chilena. E foi o que também fizeram: mostrar isso, cantando composições próprias. Tita cantou Olas de luz e a pungente Viniste a este mundo (em homenagem ao seu filho, também músico, Antar Parra, que morreu de um tumor cerebral em 2010, há sete anos) e Isabel cantou, por sua vez, a bela tonada Con los pies sobre la tierra, onde a dada altura se diz: “Qué suerte llamarse Parra y qué desgracia también”. Nada mais verdadeiro.

Depois vieram La cuerda y la loca, um joropo chileno que ela adaptou do original venezuelano, e depois mais Violeta: Mañana me voy pa’l norte, Arriba quemando el Sol, a lindíssima e triste Run run se fue pa’l norte, La Jardinera, El Gavilán (apenas uma parte da extensa canção) e o jogo de palavras de Mazúrquica modérnica, sendo estas últimas exemplares quanto à luminosa complexidade da escrita de Violeta. Corazón maldito e El palomo antecederam outra canção de Isabel Parra, Ni toda la terra entera, eco do sentir de tantos exilados pelo mundo: “Ni toda la tierra entera/ será un poco de mi tierra./ Donde quiera que me encuentre/ seré siempre pasajera.// (…) Si me quedara siquiera/ el don de pedir un sí/ elegiría la gloria/ de volver a mi país.”

Com a sala já rendida aos ritmos e aos sons chilenos, Isabel Parra desafiou os presentes a pedirem o que gostariam de ouvir. Pediram Todo cambia (hino na voz de Mercedes Sosa), mas Isabel, dizendo que não a tinham no seu repertório, cantaram, em vez dela, Lo único que tengo, de Victor Jara. Depois, a sala “bailou” ao ritmo da cueca chilena (o desafio para que chilenos presentes a dançassem ali, subindo ao palco, surtiu efeito, e um par desempenhou com brio a função) e, como seria inevitável, ouviram-se duas das mais mundialmente conhecidas canções de Violeta, ambas um portento: Volver a los diecisiete e Gracias a la vida. O fecho, no encore, fez-se com El día de tu cumpleaños, que Violeta escreveu para um amigo e que hoje no Chile se canta para celebrar o centenário dela própria. Uma noite emotiva, pelo trabalho dos músicos e também pelo ambiente criado, a mostrar que a herança de Violeta Parra está viva e recomenda-se. Hoje e no futuro.

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