Tudo pode acontecer na Catalunha

A solução desta crise depende mais da negociação política do que da repressão policial. Quer num caso, quer no outro, ninguém sairá ileso.

O que aconteceu a 1 de Outubro na Catalunha não é próprio de um Estado de direito e de uma democracia. Estamos mais habituados a observar e a criticar cargas policiais em regimes autoritários que nos recusamos a apelidar de democráticos do que em países que integram o espaço europeu e que reconhecem direitos constitucionais à autodeterminação. Já sabemos que a diplomacia tem dois pesos, duas medidas: falamos do “uso proporcionado da força”, ou de uma questão interna que assim deve ser encarada, quando se trata de um país amigo. Condenamos sem qualquer hesitação a repressão policial do Estado quando a mesmo se passa em países com os quais não existem afinidades políticas, culturais, históricas, etc. São esses dois pesos e duas medidas que ajudam a explicar o diplomático silêncio da diplomacia portuguesa. 

Não restam dúvidas que a violência policial de domingo passado foi contraproducente para os interesses do Estado espanhol e que só contribuiu para multiplicar os sentimento anti-Madrid e pró-independência da Catalunha. Secundando Mariano Rajoy, as declarações do Rei Felipe VI também não favoreceram uma diminuição da tensão entre as duas partes e, pelo contrário, até terão impedido a indispensável abertura de um processo de consenso e de negociação. Engana-se Rajoy se está convencido que o reforço das unidades antimotim e das polícias de choque nas ruas da Catalunha conterá os ímpetos independentistas da Generalitat e de uma população que aparentemente lhes é cada vez mais favorável.

Dado que a Constituição impede uma consulta popular com estes fins, porque Espanha não admite discutir outro modelo de estado, o referendo não é só uma questão de legalidade. É também uma questão de legitimidade; é mais uma questão de justiça do que de direito. O modelo do Estado espanhol assenta numa unicidade de várias nacionalidades que, no caso catalão, foi mais imposta do que voluntária. Têm ou não os catalães o direito de se pronunciar sobre a sua autodeterminação? Como fizeram e poderão voltar a fazer os escoceses ou os quebequenses? O sucesso do Estado e a solução da crise depende mais da negociação política do que da repressão policial. Quer num caso, quer no outro, ninguém sairá ileso. Provavelmente, nem Rajoy nem Puigdemont estarão dispostos a recuar. Chegados até aqui, tudo pode acontecer na Catalunha.

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