Oleguer, o independentista que recusou jogar por Espanha

O antigo defesa do Barcelona chegou a acudir à chamada de Luis Aragonés só para lhe dizer que a Catalunha era a sua única selecção.

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De Zamora a Rexach, passando por Xavi, Piqué ou Puyol, a selecção espanhola sempre teve jogadores catalães. Sem eles, e sem a inspiração do “tiki taka” refinado pelo catalão Guardiola no Barcelona, a “roja” dificilmente teria ganho dois títulos europeus (2008 e 2012) e um mundial (2010). Muitos deles eram e têm sido apoiantes declarados, com maior ou menor compromisso, da causa independentista, mas poucos se recusaram a vestir a camisola que tem o emblema com a coroa da Real Federação Espanhola de Futebol. Uma excepção à regra foi Oleguer Presas, catalão de Sabadell e polivalente defesa numa das eras douradas do Barcelona, que foi de propósito à concentração da “roja” só para dizer que nunca jogaria por Espanha.

Depois do “Dream Team” de Cruyff e antes do “tiki taka” de Guardiola, a retoma do Barcelona começou com Frank Rijkaard e com uma equipa que tinha Ronaldinho Gaúcho, Deco e Samuel Eto’o (também tinha Messi, Xavi e Iniesta, mas não com o estatuto que conquistariam depois). Esta equipa tinha também Oleguer Presas, um polivalente defesa/médio que até nem era formado no clube, contratado aos 21 anos para jogar na equipa B, mas que rapidamente ganhou o seu espaço em Camp Nou, estreando-se pela mão de Louis van Gaal em Novembro de 2002 num jogo da Liga dos Campeões frente ao Galatasaray. Entre 2002 e 2008, Oleguer fez 177 jogos na equipa principal do Barcelona e marcou um golo, conquistando duas ligas espanholas e uma Liga dos Campeões em 2006 – foi titular nessa final frente ao Arsenal.

Não era um jogador habilidoso, mas era fisicamente imponente (1,87m de altura) e defensivamente fiável. Rijkaard dava-lhe frequentemente o lado direito da defesa “culé”. Depois dessa temporada de glória interna e europeia com o Barcelona, Oleguer estava nos planos de Luis Aragonés, então seleccionador espanhol, para o Mundial 2006, que se disputava na Alemanha. O catalão ainda chegou a ir à concentração da “roja” para dizer a Aragonés que nunca alinharia pela Espanha e que só jogaria pela Catalunha – fez seis jogos por esta selecção que não existe, nem para a FIFA, nem para a UEFA. “Sim, recusei jogar. Expliquei-lhe que o meu modo de ver o mundo e que não iria estar comprometido e que seria melhor chamar outro. Era uma questão de consciência”, contava Oleguer em 2012 – na altura nada disse porque se arriscava a uma suspensão caso fosse provado que se tinha recusado a convocatória.

Por força das suas convicções, Oleguer excluiu-se de uma equipa que, dois anos depois, seria campeã da Europa. Nesta altura, já se tinha percebido que ele era mais que um jogador, era um partidário da independência catalã e os seus ideais políticos estavam próximos da extrema-esquerda. Formado em economia, e ao mesmo tempo que jogava futebol, Oleguer escrevia artigos de opinião para jornais catalães e bascos, para além de, na altura, já ter um livro publicado.

Um desses artigos valeu-lhe estar no centro de uma enorme polémica, em que criticava o sistema judicial espanhol usando o exemplo de Ignácio de Juana Chaos, membro da organização terrorista ETA e condenado por ligação a 25 assassinatos. Nesse artigo, Oleguer não defendia o separatista basco, mas só a referência a ele valeu-lhe críticas de todos os sectores e do próprio presidente do Barcelona da altura, Juan Laporta. Um outro jogador, Salva Balesta, avançado do Málaga, chegou mesmo a dizer que tinha “mais respeito por merda de cão” do que por Oleguer.

O catalão já não apanhou a era Guardiola em Camp Nou. Não era suficientemente artista para o agora treinador do Manchester City e, em 2008, mudou-se para a Holanda e para o Ajax – em Amesterdão também foi activista, manifestando-se publicamente ao lado de “okupas” que protestavam contra uma lei que os proibia de ocuparem edifícios desabitados. Três épocas de utilização irregular e Oleguer acabou a carreira aos 31 anos. Não deu em treinador, nem sequer em comentador desportivo, e voltou para Sabadell, onde está envolvido em projectos relacionados com o ambiente e causas sociais, para além de estar envolvido com um partido da extrema-esquerda catalã.

Com a realização iminente do referendo para a autodeterminação da Catalunha, a voz de Oleguer voltou a ouvir-se e a sua opinião é, claro, totalmente favorável a secessão. “Estou a viver tudo isto de forma intensa”, diz Oleguer, que saiu em defesa de Gerard Piqué, que tem sido o mais activo pró-independência entre o actual plantel do Barcelona – publicou uma foto no Twitter da sua participação numa manifestação pró-independência e, por isso, foi criticado por Sergio Ramos, capitão do Real Madrid e seu parceiro no centro da defesa da selecção espanhola. “É um valente, porque sabemos que estas opiniões têm sempre consequências e que a maioria dos desportistas não tem liberdade para o fazer”, diz Oleguer sobre Piqué. “E farei sempre o que puder para defender os direitos do povo catalão. Tenho visto coisas muito graves, mas tenho visto respostas muito interessantes dos cidadãos.”

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos. Ouça também o podcast

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