Salvos pelo drone

No Ruanda, pequenas aeronaves não tripuladas levam sangue e medicamentos até aldeias isoladas. A Tanzânia é o próximo alvo da Zipline, uma empresa com um olho em África e outro nos EUA.

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Um dos drones da Zipline em acção no Ruanda Zipline

Há poucos sítios no mundo em que o primeiro momento de uma vida pode estar tão próximo do último segundo de outra como numa pequena aldeia africana, onde muitas mães morrem em trabalho de parto por estarem demasiado longe de um hospital.

No entanto, no Ruanda rural, começam a surgir histórias como a de uma mãe de 24 anos que, enfrentando uma hemorragia grave após o parto, é salva por um drone que trouxe sangue da capital, Kigali. O episódio tem sido contado a meios como a Forbes ou a Wired por Keller Rinaudo, CEO da Zipline, uma empresa de Silicon Valley, nos EUA, que desde 2016 tem levado sangue e medicamentos até alguns dos locais mais remotos do país africano. No final de Agosto, o empreendedor anunciou o próximo passo: fazer entregas na vizinha Tanzânia, cerca de 2000 por dia, com 100 drones, já em 2018.

A Zipline tem merecido a atenção da imprensa internacional por operar o maior e mais abrangente sistema de transporte por drones até à data. Enquanto gigantes tecnológicos como a Amazon e a Google têm conduzido experiências pequenas, mas muito publicitadas, de entrega de pizzas e outros produtos em países desenvolvidos, a Zipline já voou 100.000 quilómetros para levar 2600 unidades de sangue a aldeias remotas no Ruanda. 

Em média, a empresa demora 30 minutos a responder aos pedidos de clínicas rurais que enviam mensagens para Kigali através do WhatsApp ou do site da Zipline. Fá-lo através de pequenos drones de asa fixa (ao invés dos que se assemelham a helicópteros) que são lançados por uma catapulta, voando até ao destino com o auxílio de uma bateria eléctrica. Chegados ao ponto de entrega, largam um pacote com um pára-quedas e regressam à base. Os aparelhos têm uma autonomia de 150 quilómetros e voam a menos de 152 metros de altitude, de modo a não perturbar o tráfego aéreo convencional.

Uma missão e um negócio

Se o trabalho da Zipline é meritório, este não deixa de ser um negócio. A empresa cobra ao Estado ruandês até 37 euros por voo, e Rinaudo não esconde o propósito comercial do projecto. “Uma das coisas mais importantes que estamos a tentar mostrar é que é possível resolver este problema de uma forma empresarial. Não têm de ser apenas as ONGs e a ajuda internacional a lidar com estas grandes questões globais”, disse, citado pela BBC.

Também à estação britânica, um perito do Banco Mundial na Tanzânia levanta dúvidas sobre as intenções da Zipline. “Uma demonstração comercial em África vai ajudar a elevar o seu perfil junto do mercado norte-americano”, disse Edward Anderson, que reconheceu que a empresa está “a fazer maravilhas” no continente, mas que duvida da viabilidade do projecto na Tanzânia, um país 35 vezes maior do que o Ruanda.

Para além de uma oportunidade de negócio e de um campo de testes do ponto de vista técnico, o leste africano, com um quadro regulatório permissivo ou inexistente, é também palco de uma operação de relações públicas da indústria norte-americana dos drones, que ainda não conseguiu convencer os legisladores em Washington a permitir o desenvolvimento de redes como a da Zipline nos EUA. No Ruanda e na Tanzânia, o objectivo é também mostrar que as aeronaves não tripuladas podem fazer muito mais do que pôr em causa a segurança e a privacidade, salvando vidas.

Até ao momento, a Zipline conseguiu financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates, da gigante de logística UPS, de alguns dos maiores fundos mundiais de capital de risco e do governo britânico, entre outras entidades.

A rubrica Tecnologia encontra-se public<ada no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO

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