Candidatos à Câmara de Oeiras comprometem-se a rever plano para o vale do Jamor

Candidatos presentes num debate sobre o polémico Plano de Pormenor da Margem Direita do Rio Jamor não concordam com o actual projecto já aprovado pela câmara de Oeiras. Mas enquanto uns o rejeitam completamente, outros admitem rever o projecto que tem sido fortemente contestado pela população.

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O projecto foi aprovado pela câmara de Oeiras em 2014 DR

O salão dos Bombeiros Voluntários de Dafundo, em Linda-a-Velha tornou-se pequeno para acolher quem quis assistir ao debate que foi promovido pela associação Vamos Salvar o Jamor, na noite de quarta-feira, que queria pôr os 13 candidatos à presidência da câmara de Oeiras a expor a posição e os planos que têm sobre o polémico Plano de Pormenor da margem direita da foz do Rio Jamor. O projecto prevê a construção do empreendimento Porto Cruz, no espaço da antiga fábrica da Lusalite, na Cruz Quebrada, em Oeiras, de uma marina, torres com 20 pisos e viadutos numa zona que é considerada o "pulmão verde" da cidade.

Dos 13 candidatos, estiveram presentes nove. À chamada faltou o actual autarca Paulo Vistas, que é candidato independente pelo movimento Oeiras Mais à Frente, e Isaltino Morais, que esteve 24 anos à frente da câmara de Oeiras, e que é novamente candidato pelo Inovar Oeiras de Volta. Ambos foram acusados de serem os principais "promotores" deste projecto "megalómano", que "ameaça" a zona ribeirinha do Jamor.

Entre os presentes, enquanto uns rejeitam completamente o projecto já aprovado pela autarquia, outros comprometem-se a rever o plano que é há vários anos contestado pelos munícipes e por associações ambientalistas como a que promoveu este debate . Esta organização tem levado a cabo uma série de iniciativas de contestação ao empreendimento, entre as quais uma petição pública que foi entregue à Assembleia Municipal em Novembro de 2015, alegando que se trata de um "atentado ambiental e paisagístico" que irá "destruir a zona ribeirinha de Oeiras".

Heloísa Apolónia (CDU), Pedro Torres (PAN), Miguel Pinto (BE), Safaa Dib (Livre), Isabel Sande e Castro (Nós, Cidadãos!) prometeram que, caso sejam eleitos, o projecto será anulado, considerando que o que está previsto protege o interesse de privados em detrimento do da população. Já Sónia Amado Gonçalves (Renascer Oeiras) e Ângelo Pereira (PSD/CDS-PP/PPM) admitiram uma revisão ao projecto. O candidato do PS, Joaquim Raposo, e o do PNR, Pedro Perestrello, apresentaram os próprios projectos para aquela zona.

As vozes críticas dizem que o projecto vai aumentar o risco de cheias, que o trânsito vai ficar caótico, e, sobretudo, que toda a zona do Estádio Nacional vai ficar “fechada” pelas altas torres. E admitem que a construção do empreendimento Porto Cruz irá destruir a praia da Cruz Quebrada que será substituída por um aterro de betão. 

Destruição do "pulmão verde" 

"Construir a escassos metros do Tejo é um erro crasso que mais tarde se poderá tornar caro", lembrou a candidata da CDU, Heloísa Apolónia. "É um pulmão verde da Área Metropolitana de Lisboa", que ficará "ameaçado", disse. E propõe a valorização do pólo desportivo, incentivar à diversidade de desportos, incluindo os náuticos, e a melhoria dos transportes públicos até ao complexo desportivo do Jamor.

A mesma posição foi partilhada pelo candidato do PAN, Pedro Torres, que alertou para a "destruição da Cruz Quebrada e a sua substituição por um aterro de betão", descaracterizando a frente ribeirinha. "O plano viola as leis ambientais", reiterou, propondo "o abandono imediato do projecto, a proibição clara de construção habitacional numa zona com elevados riscos naturais". Destacou, por sua vez, a necessidade de ser retirado o amianto e de descontaminar os solos da área industrial.

O projecto, que se arrasta há vários anos, tem como promotor a empresa Silcoge, do grupo imobiliário SIL, e abrange uma área de 27,6 hectares onde está prevista a construção de várias torres, que podem chegar aos 20 andares, destinadas a habitação, comércio, serviços, estacionamento e um hotel, na margem direita do rio Jamor. O projecto prevê ainda a criação de uma marina e de uma piscina oceânica, um viaduto para ligar a CRIL à CREL, uma linha de eléctrico e uma alameda verde com a qual se pretende fazer a ligação entre as partes do vale a norte e a sul da Marginal. O investimento, privado, está estimado em 250 milhões de euros e prevê, igualmente, a demolição da antiga fábrica Lusalite, que tem suscitado várias denúncias pela acumulação de amianto.

"A câmara já deveria ter intimado o dono da obra  a retirar o amianto dos edifícios. Se houver algum problema de saúde pública, a câmara e a Agência Portuguesa do Ambiente serão os responsáveis pelos danos que provocarem às pessoas", disse o candidato bloquista. Miguel Pinto referiu-se ainda à grande quantidade de betão que será inserida na paisagem, causando a impermeabilização dos solos, numa "clara violação do Plano Municipal de Emergência e Protecção Civil", numa zona que está sujeita a cheias. "Tiram-se as cheias da margem direita e empurram-nas para onde vivem as pessoas", criticou.

Também Safaa Dib, candidata do Livre, fez notar que o projecto não pode ser autorizado. "Os riscos são públicos, mas os lucros privados", notou, referindo que grande parte dos terrenos pertencem a um grupo privado, e que "a forma como esse grupo participou na elaboração do projecto mostra, de forma evidente, como a câmara cedeu aos interesses de privados, violando o interesse público". 

Acusou ainda o actual executivo de "ignorar" a população que há muito contesta o projecto e que diz não ter sido ouvida no processo que apresenta "uma clara falta de transparência". E lembrou que a aprovação do novo Plano Diretor Municipal de Oeiras (PDM), onde se insere este plano de pormenor, pelos deputados da assembleia municipal, em Junho de 2015, decorreu um dia antes da entrada em vigor da nova Lei de Bases do Solo, do Ordenamento do Território e do Urbanismo, que o tornaria inviável.

Ausentes mas presentes

Vistas e Isaltino foram os ausentes sempre presentes. Sem a presença de ambos, a atenção recaiu sobre o candidato do PS, Joaquim Raposo, que foi durante 16 anos presidente da câmara da Amadora. Isto porque o plano de pormenor, onde se insere o projecto Porto Cruz, foi aprovado pela autarquia em Maio de 2014, com os votos a favor do PSD, PS e IOMAF (Isaltino Oeiras Mais à Frente) e os votos contra da CDU. Na Assembleia Municipal, apenas o PSD e o IOMAF votaram a favor. O PS absteve-se e o Bloco de Esquerda, CDU e CDS votaram contra. Os opositores e os munícipes pediram, assim, explicações ao candidato sobre a posição que tem acerca do projecto.

Isabel Sande e Castro, deputada municipal eleita pelo CDS - que está suspensa do partido - e que é hoje candidata pelo movimento independente Nós, Cidadãos! - e defende a anulação do plano - pediu explicações ao socialista sobre o que levou o PS a "manter-se no cinzento na assembleia municipal", questionando ainda a "credibilidade" do partido, "que muda ao sabor do vento".

Na resposta, Joaquim Raposo escusou-se a discutir o plano em causa e disse ter um projecto alternativo, que é "incompatível" com o que é conhecido. Apresentou "um plano estratégico que tem de ir até ao limite do território" e que aponta "o mar como o mais importante", propondo a reabilitação daquelas praias. "Temos de ter um plano estratégico para as nossas praias como elemento chave para a atracção do turismo na região", defendeu o socialista.

Do lado dos que se comprometem a rever o plano, Sónia Amado Gonçalves (Renascer Oeiras) admitiu que "o projecto tem de ter uma concretização" . "Não vale a pena tapar o sol com a peneira. Nós sabemos que há interesses económicos", acusou a candidata. 

Por seu turno, Ângelo Pereira (PSD/CDS-PP/PPM), que é vereador com o pelouro dos transportes, turismo, juventude no actual executivo, assumiu que, caso seja eleito, levará a cabo uma "profunda revisão" do plano de pormenor do Jamor. "Não somos contra a operação urbanística, mas tem de ser altamente condicionada pelo câmara municipal", sublinhou, acrescentando que é preciso chegar a um projecto que tenha "uma volumetria harmoniosa", que não ultrapasse "os cinco, seis, sete andares". 

Já Pedro Perestrello, candidato do PNR, reconheceu que "não há um projecto ideal" para o Jamor, mas defendeu um plano ligado aos desportos náuticos e a construção de ciclovias.

As críticas foram subindo de tom ao longo do debate, com apupos de uma assistência sempre muito interventiva, mas que não terá saído muito esclarecida da sessão. Sabem-se as posições, mas há ainda poucas medidas concretas e alternativas para um espaço que, defendem, não pode continuar no marasmo em que se encontra. 

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