E o “fim da Europa”? Acabou

Os cidadãos podem não desejar o fim da UE, mas isso não pode ser interpretado como uma carta branca para continuar a política europeia como de costume.

Em 2012, um antigo vice-governador do Banco Central da Polónia, Krzysztof Rybinski, criou um fundo de investimentos que se destinava a capitalizar em caso de colapso do euro. O dito fundo de investimentos tinha o chamativo nome de Eurogedão (Euro+Armagedão, ou “apocalipse”). Nos cinco anos subsequentes, esse fundo teve um retorno negativo de 56,4%. Acabou encerrado nos últimos dias com um total de menos de 150 mil euros investidos. Ou seja: mesmo a partir da Polónia, que não faz parte da zona euro e onde o governo e os seus jornais fazem do discurso euro-apocalíptico o pão nosso de cada dia, não houve muita gente disposta a meter a mão na algibeira para apostar no fim do euro, por muito inevitável que o fim do euro lhes parecesse à mesa do café.

O que vale para o euro, também vale de certa forma para Schengen, para a incorretamente chamada de “crise dos refugiados” ou para algumas das outras razões normalmente apontadas como levando inevitavelmente a um colapso da UE. Não a todas, no entanto: o projeto europeu de facto pode acabar como acabou a Sociedade das Nações, a partir de um colapso generalizado no estado de direito dos seus estados-membros. Mas o facto é que, por agora, com a subida generalizada das opiniões a favor do projeto europeu em todos os países da UE e a tragédia dos termos de comparação à nossa volta (da Rússia de Putin dos EUA de Trump à Turquia de Erdogan), o “fim da Europa” acabou.

A pergunta crucial que é necessário fazer agora é: e isso chega? Não, não chega. Hoje, no seu discurso do Estado da União, Jean-Claude Juncker tentará certamente convencer-nos de que precisamos apenas de uma sonolenta liderança da Comissão e do Conselho para que a UE encontre o seu caminho. E nós sabemos que isso não é verdade. Os cidadãos podem não desejar o fim da UE, mas isso não pode ser interpretado como uma carta branca para continuar a política europeia como de costume.

O atual estado de coisas deve interpelar, em particular, a esquerda e todos os progressistas europeus. Nos últimos dez anos cresceu entre nós um discurso eurocético e eurofóbico importado, em boa medida, das críticas dos conservadores britânicos ao projeto europeu. Nem todas erradas, assinale-se. Mas todas destinadas a tentar tirar proveito de um colapso da UE para nos escombros dele estabelecer um regime de capitalismo ainda mais desregulado, ainda mais exposto à globalização, e ainda mais autoritário (como evidenciado pela votação da madrugada de ontem em Londres que sob o pretexto do "Brexit" deu poder ao governo de Theresa May para alterar por decreto todas as leis das antigas áreas de competência europeia, sem passar pelo parlamento britânico).

Muita gente entre a esquerda e o progressismo europeu ainda não se apercebeu disto, mas o cenário europeu que temos para a próxima década é substancialmente diferente do que tínhamos na última. Onde antes o colapso era uma possibilidade, agora temos um cenário em que a continuidade de uma política burocrática e sem alma é a perspectiva de médio prazo. Pode argumentar-se que é melhor do que o colapso, mas não o suficiente.

E isso leva-nos a uma escolha. Como queremos passar os nossos próximos dez anos das nossas vidas, caros camaradas da esquerda europeia: à espera do colapso da UE tal como ele profetizado por reacionários e nacionalistas, ou empenhados em transformar o projeto europeu para melhor? Se a resposta for a primeira, está praticamente garantido o desperdício de tempo — e a continuidade de uma política medíocre. Se a resposta for a segunda, estaremos ao menos a empenhar as nossas forças no sentido certo.

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