Filme perdido de Manuel Guimarães recuperado e exibido na Feira do Livro do Porto

A Terra e o Homem é um documentário sobre Vila Nova de Famalicão rodado em 1968. Vai ser mostrado terça-feira na Biblioteca Almeida Garrett.

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Manuel Guimarães DR

O filme A Terra e o Homem (1968), realizado por Manuel Guimarães (1915-1975) e que estava perdido, foi recuperado pela associação Confederação e será exibido na Feira do Livro do Porto, a par de um documentário sobre o cineasta.

Localizado em 2016 pela Confederação - Colectivo de Investigação Teatral, um grupo fundado no Porto em 2010, o documentário, de 15 minutos, mostra Vila Nova de Famalicão através de filmagens que decorreram em 1968.

O filme será exibido pelas 19h00 de terça-feira na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, antes da projecção de Nasci com a Trovoada - Autobiografia Póstuma de um Cineasta, um filme realizado por Leonor Areal "a partir de filmes e textos de Manuel Guimarães", utilizando materiais de arquivo, de filmes, fotografias e artigos de jornal a cartas e diários para traçar um documentário "quase ficção" sobre o neo-realista, narrado pelo próprio cineasta.

A Terra e o Homem foi localizado na Escola Básica Dr. Francisco Sanches, em Braga, depois de um contacto do director, Jorge Amado. "Na altura da reformulação, o director liga-me a dizer que tinha pedido para reunir tudo o que era material de cinema numa sala", contou à Lusa Miguel Ramos, um dos fundadores da Confederação. No meio do material encontrado, que foi depositado no Arquivo Nacional de Imagens em Movimento (ANIM), da Cinemateca Portuguesa, estava uma fita "que dizia 'Ulisseia Filmes' e 'Homenagem ao Dr. Nuno Simões'".

"Achei estranho pelo formato, porque estava em 35mm, que não era projectado, só em salas de cinema, e não era uma reportagem, porque era muito grande para o ser", comentou Miguel Ramos, que, ao vê-lo, percebeu tratar-se de A Terra e o Homem, o filme perdido de Manuel Guimarães, que o apontou "em duas anotações em listas biográficas".

O passo seguinte foi telefonar a Leonor Areal, que se encontrava na fase final da montagem de Nasci com a Trovoada, antes do depósito do filme e dos trabalhos de recuperação depois de um conjunto de "muitos factores e muita gente a trabalhar junta" para um resultado positivo.

O restauro do velho documentário, levado a cabo no ANIM, foi financiado pela Câmara Municipal de Famalicão, e foi outro resultado feliz do processo. "Explicámos que tínhamos a verba e íamos avançar, eles tinham um curso interno de recuperação em analógico e o filme foi por aí", revelou Miguel Ramos.

A película, "em óptimo estado", permite reconstituir a obra completa de Manuel Guimarães, com um filme que "tem muito interesse, primeiro para Famalicão – que já tinha um do Manoel de Oliveira (Famalicão, de 1941), que é um pouco mais pitoresco, enquanto este é um pouco mais directo, mais cru".

"Está muito bem filmado, é muito cru, porque o [Manuel] Guimarães é um neo-realista e quer ir para a rua e filmar aquelas pessoas em primeiro plano. É um documentário com tempo, a filmar a feira, e depois toca na tal homenagem ao Nuno Simões [1894-1976], um republicano que tem ainda hoje muita relevância", acrescentou Miguel Ramos.

A referida homenagem, que segundo as informações recolhidas pelo colectivo portuense ocorreu a 9 de Abril de 1968, foi levada a cabo pelo município de Vila Nova de Famalicão, concedendo ao cidadão republicano a insígnia de Grande Oficialato da Ordem de Benemerência. É neste ponto que termina o documentário de Manuel Guimarães, até aqui considerado desaparecido, e que foi encomendado pela autarquia à Cultura Filmes, de Ricardo Malheiro.

A Terra e o Homem enquadra-se mais nos filmes "mais institucionais" da obra do realizador, embora tenha já "um cunho altamente neo-realista", nota o membro da Confederação. "Ele vai filmar para a rua, as pessoas, passa muito tempo na feira, interessa-lhe a paisagem, mas ele dedica muito tempo à feira, filmar as pessoas em primeiro plano, a vinda delas, o que é que se está a vender", acrescenta.

A equipa por detrás da recuperação do documentário também encontrou o seu negativo, que se encontra "em muito mau estado", e está agora a preparar um texto sobre o filme, uma investigação apoiada pelas autarquias do Porto e de Braga, que será disponibilizado na Internet.

Nascido em 1915, em Albergaria-a-Velha, Manuel Guimarães foi assistente de realização de Manoel de Oliveira em Aniki-Bóbó (1942), tendo-se depois destacado como cineasta neo-realista, numa filmografia estreada com O Desterrado - Vida e Obra de Soares dos Reis (1949), antes de realizar uma das suas obras mais conhecidas, a longa-metragem Saltimbancos (1951).

Até à sua morte, em 1975, em Lisboa, o cineasta realizou longas e curtas-metragens, entre ficção e documentário, como O Crime da Aldeia Velha (1964) ou A Costureirinha da Sé (1958), além de Tráfego e Estiva (1968), que foi o primeiro filme português rodado em 70mm.

Manuel Guimarães desenvolveu ainda actividade como pintor e caricaturista, numa carreira em que viu, em várias películas, a censura 'cortar' várias cenas, devido à crítica social ao Estado Novo nelas patente, como foi o caso de Nazaré (1952), que contou com argumento do escritor Alves Redol (1911-1969). 

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