Livros para meninas e rapazes e o comentário do Mário, mas nem por isso da Maria

Mário, ser menina é o mesmo que ser rapaz, ser menina é o mesmo que ser menino e ser rapariga é o mesmo que ser rapaz até prova em contrário, até que a menina e o menino e a rapariga e o rapaz decidam ser e apenas ser, cabendo-nos como educadores orientar, alimentar, incentivar, guiar estas crianças sem género a um futuro

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Annie Spratt/Unsplash

Diz o pediatra Mário Cordeiro, em entrevista ao Expresso, que a recente polémica em torno de dois livros para crianças da Porto Editora é “uma discussão idiota, própria da silly season” e acrescenta: “Há coisas bastante mais importantes que uns cadernos de exercícios para entreter nas férias”.

 

Infelizmente, Mário, nem sequer tenho tempo para estar de acordo contigo, ou não estivesse neste momento a correr entre o emprego e a escola dos meus filhos, mesmo a tempo de chegar a casa e fazer o jantar para toda a gente, pôr e levantar a mesa, lavar a loiça, ler uma história sobre donas de casa a partir do livro cor-de-rosa para a menina e uma história de piratas a partir do livro azul para o rapaz. 

 

Caro Mário, quando a desigualdade de género é promovida desde tenra idade, culminando na contínua subjugação da mulher face ao homem em pleno século XXI, desde a nossa casa ao topo do mundo, lamento, mas nada há de mais importante! Receio, no entanto, estar a pregar aos peixes quando nunca se andou a vida toda com um filho no ventre, a vida no ventre, os homens no ventre, os mesmos homens que tudo nos devem sem se lhes ouvir um só obrigado.

 

Acabem-se com as cores, com as Barbies cor-de-rosa para meninas e os carrinhos azuis para rapazes, pinte-se de cor-de-rosa o barco dos piratas e azul os tachos e as panelas, as meninas também brincam com foguetões, viajam pelo espaço e morrem pelo espaço (lembrem-se do Challenger), e os rapazes também são bons pais com o nenuco das bolhinhas entre os braços. 

 

Porque, Mário, a indignação está lá, esteve sempre lá, sempre e aqui ao longo de 200.000 anos (e não apenas 6.000 como diz a Bíblia, não é, Mário?), sem fundamentalismos, apenas raiva e punhos no ar a clamar por justiça, direitos, bom senso onde o cor-de-rosa não tem lugar, apenas vermelho e negro, sangue nas ruas contra os pés que, hoje e sempre, insistem em pisar metade da Humanidade.

 

Enquanto assim for, Mário, nunca seremos verdadeiramente Humanos, apenas animais. 

 

Diz o Mário que ser menina não é o mesmo que ser rapaz. De acordo com o Mário, aos dois anos e meio as meninas tornam-se “princesas pirosas e pespenetas” e os rapazes uns “espadachins de 'vou-te matar!'”. Boa, Mário, e para além do preconceito pejorativo acerca das meninas, tens algum estudo científico para te fundamentares? 

 

Mário, ser menina é o mesmo que ser rapaz, vírgula, ser menina é o mesmo que ser menino e ser rapariga é o mesmo que ser rapaz até prova em contrário, até que a menina e o menino e a rapariga e o rapaz decidam ser e apenas ser, cabendo-nos como pais e educadores orientar, alimentar, incentivar, guiar estas crianças sem género a um futuro que seja isso mesmo, futuro, progresso, igualdade, equidade, onde homens e mulheres partilhem e trabalhem em conjunto, mudem fraldas em conjunto, colonizem planetas em conjunto, em prol dos dois e não de apenas um, do suposto mais forte, mais bruto e burro.

 

Porque, Mário, é preciso começar pela raiz, e basta olhar à volta, para o quotidiano, e compreender como o mesmo resulta de uma discriminação cultivada desde a nascença. E sim, aqui estamos de acordo e urge combater o quotidiano, começando por retirar do mercado o azul e o rosa, os livros para rapazes e meninas, as bonecas e os carrinhos, acabando com a diferenciação, promovendo a igualdade de género e que vença o melhor, mais uma vez, e não necessariamente, o mais forte, o mais bruto e o mais burro, como sempre, aliás.

 

Cordialmente,

Maria

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