A barbearia “hipster” centenária do bairro

Meus senhores barbudos, convençam-se, uma moda é isso mesmo, uma moda, o que um começa os outros seguem, eu sou o líder e vocês vêm todos atrás de mim e só tenho pena de quem se lembrou de abrir a primeira barbearia

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Estou à porta da Barbearia do Bairro e ainda não deram por mim. Para falar com franqueza, não sei se entre. Tenho dúvidas. Através da janela destrinço três poltronas surradas em redor de um tapete persa, ou supostamente persa, torturado aqui e ali a julgar pelas enormes peladas, ou talvez seja de propósito, não sei. Estilo vintage, ou apenas a cair de velho? Vintage, of course, penso de mim para mim mesmo, e quem sou eu para duvidar do bom gosto de tão conceituado estabelecimento?

Ao canto, a cadeira de barbeiro e respectiva parafernália em contraposição com um grande frigorífico branco (podia ser o meu) no outro lado da sala. Ao centro, diante de mim e de olhos nos olhos, a vitrina da sala da minha avó (ou podia ser, não fosse o facto de a minha avó ainda estar viva), dentro da qual se sentam “coca-colas” e gin tónicos de várias qualidades e proveniências, nem por isso frescos (a vitrina da minha avó não é um balcão frigorífico, é uma vitrina).

Na divisão ao lado, aberta e sem porta, uma marquesa ladeada por um banco de plástico cinzento (vintage, pois claro) onde nos espera o que não vos quero contar. Para completar o quadro, um cabide onde, estou certo, não deixarei de pendurar o casaco, apesar dos 38 graus à sombra. Ah, e a máquina registadora no chão, à manivela, diante da qual se ajoelha o recepcionista em oração.

Encho o peito de ar e coragem e abro a porta. Já me viu. Por detrás de um longo bigode inglês, o recepcionista dispara: “Boa tarde, deseja um conhaque, senhor?”, e eu, que nunca bebi um conhaque e pouco mais aprecio para além de cerveja, e do gargalo, por favor, timidamente respondo “Não, desejo cortar o cabelo...”.

“O cabelo?”, responde de nariz empinado e altivo, incomodado. “Desculpe, mas aqui só fazemos a barba.” “Barba não, o cabelo”, insisto, enquanto aponto com o indicador direito para a área densamente relvada sobre a cabeça. “Lamento, senhor, mas cabelo não, só barba. Deseja cortar a barba, senhor?”

Não, meu caro senhor, não desejo cortar a barba, returco, para já porque a barba, esta barba, é feita de manhã e todos os dias, em casa, à frente do espelho e com lâmina própria. E depois porque, apesar dos meus 39 anos, ainda não é desta que tenho a barba completa e de certeza não vai ser a sua navalha a executar o milagre de fazer de mim um pouco mais homem.

Não é possível.

Para além do mais, desde quando tem o lanugo a mágica virtude de fazer de nós uns homenzinhos dignos do orgulho de tantas mães?

No entanto, não podia estar mais errado, ou não contasse já em quatro o número de barbearias abertas ao meu redor nos últimos meses, desde a Barbearia do Bairro, passando pela Barbearia Centenária, a Hipster ou a simplesmente Barbearia, com conhaque ou cerveja à pressão, em poltronas ou bancos de pé alto e bar à disposição, porque os homens são assim e eles é full beard ou old dutch, eles é shampoo, exfoliantes e óleos na barba, estilo rural ou urbano, aparada nas pontas ou volumosa no queixo, cavanhaque ou mal escanhoada (como a minha) e os homens hoje são uns maricas mais preocupados com a forma dos pêlos na cara e menos com o que lhes vai na cabeça.

Infelizmente, basta olhar em redor e compreender como a estes homens, ou digamos antes rapazinhos, mais vale parecer sem por isso ser enquanto os paizinhos lhes pagam os signature haircuts ou os hot towel shaves que os mesmos não sabem pronunciar em inglês, quanto mais em português, e Deus me livre destes manequins e de os ouvir abrir a boca porque hipster sou eu e não uso barba. Senão, perguntem-lhes quando foi a origem do movimento hipster e pasmem-se com a resposta.

Não vale ir ao Google.

Meus senhores barbudos, convençam-se, uma moda é isso mesmo, uma moda, o que um começa os outros seguem, eu sou o líder e vocês vêm todos atrás de mim e só tenho pena de quem se lembrou de abrir a primeira barbearia, porque agora é mais difícil encontrar um cogumelo e eu tenho fome, e quando alguém tem uma boa ideia neste nosso Portugal dos Pequenitos, logo vêm 300 gajos atrás copiar, e mal.

Sem esquecer os nacionalismos, porque se antes era tudo em inglês e na América, agora o que está a dar é este sentimento de bairrismo, como se alguma vez tivéssemos demonstrado interesse por tudo o que é português, e antigo, nós que sempre fomos tão bons a esquecer a própria história...

Acordei às 5 horas da manhã, não bebi cerveja ou um vinho do Porto, tenho de fazer a barba, sair de casa a correr e trabalhar a partir das seis. Não tenho barba e os alunos não deixam de olhar para mim, os colegas não deixam de olhar para mim e os pais não deixam de olhar para mim. Não preciso de parecer, apenas ser, com ou sem pêlos, de preferência sem.

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