A força do sexo fraco segundo Kelly Reichardt

O Curtas Vila do Conde recupera um belíssimo filme que as vicissitudes da exibição deixaram até ao momento inexplicavelmente inédito em Portugal.

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Seria difícil encontrar um melhor filme para mostrar no Curtas Vila do Conde do que a sexta longa-metragem da americana Kelly Reichardt, Certain Women, que vai ter exibição única às 23h deste sábado. Inexplicavelmente inédito em Portugal, o novo filme da autora de Wendy e Lucy, O Atalho e Night Moves adapta três contos da escritora Maile Meloy, à volta de quatro mulheres (Laura Dern, Michelle Williams, Kristen Stewart e Lily Gladstone) algo perdidas nas suas próprias vidas mas ainda assim reunindo forças para seguir em frente. Resistindo à tentação de urdir uma única narrativa à sua volta numa estética de “mosaico”, Reichardt mantém as histórias “contíguas” mas independentes, sem forçar cruzamentos, numa versão mais “seca” e depurada dos mosaicos altmanianos dos anos 1970 (um título possível para Certain Women poderia também ser Três Mulheres).

Toda a arte da realizadora americana – a sua atenção paciente aos detalhes, a sua maneira reservada mas significativa de filmar o silêncio, as paisagens, e de revelar o que é importante através daquilo que não se diz mas se vê – parece cristalizar-se na perfeição económica deste filme, desde aquele espantoso plano inicial que parece saído de um quadro de Edward Hopper à recusa da narrativa tradicional para seguir o seu próprio caminho. Certain Women pode ser lacónico, mas esse laconismo diz mais do que mil palavras – nisso, aliás, faz uma curiosa “ponte” com o cinema de Aki Kaurismäki, também ele lacónico mas de modo mais astuto. O Outro Lado da Esperança faz uma curiosa “sessão dupla” com Certain Women, nas suas histórias normais que ora se intersectam ora se afastam, embora o filme de Kaurismäki seja mais um filme “de tema” (sobre a questão dos refugiados) abordado com o humor seco, quase burlesco, que lhe conhecemos. Mas de O Outro Lado da Esperança poderemos falar com mais tempo quando chegar ao circuito comercial, em Outubro; já quanto a Certain Women, que anda por aí perdido, esta sessão será uma oportunidade única para atentar num belíssimo filme que as vicissitudes da exibição não nos permitiram ver em tempo útil.

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