Os mais pobres da Venezuela juntaram-se à revolta contra Maduro

No lado ocidental de Caracas, que o Presidente considerava o seu bastião, protesta-se contra o Governo, tal como os mais abastados já faziam.

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A extensão de agitação na capital representa uma nova e maior ameaça a um regime sitiado Marco Bello/REUTERS

Em Caracas, os ricos e os pobres estão subitamente menos divididos.

Durante a maior parte da experiência socialista que dura há duas décadas na Venezuela, o Leste rico e mais branco da cidade de Caracas tem sido o centro da resitência ao regime chavista. Agora, os bairros a Oeste, mais pobres mas também mais pacíficos, que o Presidente Nicolás Maduro via como os seus bastiões, estão também a levantar-se contra ele, ao mesmo tempo que o crime está a aumentar, e os medicamentos e a comida se tornam cada vez mais escassos e mais caros.

Moradores de bairros como La Candelaria, a poucos quarteirões do Palácio Presidencial de Miraflores, erguem barricadas e gritam slogans contra  Maduro, batem em panelas e tachos dentro das suas casas. Estão zangados com a má administração do país e com a Assembleia Constituinte proposta por Maduro para reescrever a Constituição - e talvez para assumir o controlo de tudo.

“Todos protestam, sem diferenças, pois a fome de comida e de democracia uniram-se”, afirma Carlos Julio Rojas, um activista de La Candelaria, quem tem sido ameaçado por militantes pró-governo, os chamados “colectivos”. Rojas diz que aos activistas da oposição se têm juntado antigos apoiantes do governo, funcionários públicos, donas de casa e desempregados.

A agitação na capital é uma nova ameaça para um regime já sitiado. Os manifestantes acusam Maduro de ter destruído a economia e de ter imposto o que chamam de ditadura. Cerca de 90 pessoas morreram já nos confrontos entre activistas e forças de segurança.

A última vez que os venezuelanos organizaram grandes protestos anti-governo foi em 2014, quando exigiram a demissão de Maduro, mas o movimento extinguiu-se sem resultados.Desta vez, a oposição ganhou um enorme apoio internacional. E, dentro do país, a inquietação do lado ocidental da cidade e deserções no partido no poder mostram que Maduro está a perder elementos da base que sustentou a ideologia socialista face à pobreza.

Raiva cega

No lado Leste e relativamente próspero de Caracas, onde há protestos quase diários, há meia dúzia de centros comerciais, um bairro financeiro e enclaves de classe média-alta. O lado ocidental é mais antigo, mais rude, pobre e perigoso. É ali que fica o centro histórico, o Palácio Presidencial e os ministérios, mas também os bairros da classe operária e a maior parte do parque habitacional do governo. É também onde se encontram muitos dos barrios degradados.

Em algumas áreas, membros dos “colectivos” rondam para vigiar os movimentos dos líderes da oposição. Noutros, assumiram o controlo de alguns prédios: assediam e ameaçam os moradores, se estes não cumprirem as políticas do Governo. No lado ocidental, ainda há desconfiança quanto ao que motiva a oposição e dúvidas sobre que futuro poderá haver com um novo Governo. Mas a raiva tem vindo a substituir a dúvida e o medo.

Jean Carlos Gomez, um vendedor de mangas no bairro de classe operária de La Vega, diz que a sua casa não tem gás há sete meses e que a família teve de recorrer a lenha para cozinhar. “Aqui não há faixas nem marchas”, diz. “As pessoas protestam quando não há mais nenhuma opção. É uma loucura”.

Para Maduro, esta é uma tendência preocupante. Ainda que a popularidade do seu antecessor e mentor Hugo Chavez tenha diminuído nos seus últimos anos de vida, os pobres do país permaneceram maioritariamente fiéis. Mas Maduro está a perder o apoio dessa base devido às falhas nas infra-estruturas. E a economia mergulhou no caos. Nas últimas semanas, tem havidoprotestos nocturnos na zona ocidental e no centro da cidade, incluindo La Vega, San Martin, Mamera, Caricuao e La Candelaria.

“É uma raiva cega que precisam de canalizar”, diz Alejandro Velasco, professor de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova Iorque que tem escrito sobre os bairros de lata da Venezuela. “O Governo fez a sua última jogada”.

Os serviços são frágeis em Caracas, em especial nos bairros degradados à volta da capital. A falta de água dura dias a fio, o lixo apodrece nas ruas e a luz apaga-se por causa da rede eléctrica envelhecida. Mas a distribuição de alimentos é a falha mais crítica. As notícias de corrupção são alarmantes.

“Apanha-nos de surpresa quando chega”, diz Misleidy Gonzalez, uma mãe de dois de 21 anos que limpa casas para sobreviver. As crianças brincam descalças no chão de cimento da barraca de madeira na encosta do bairro de lata de Mamera, onde vive com a irmã e a sobrinha.

Há uns anos, o bairro gabava-se das lojas de comida cheias de alimentos subsidiados. “Antes tínhamos de esperar horas, mas encontrávamos alguma coisa”, diz Gonzalez. “No ano passado, até esperei na fila grávida. Agora não há nada. Só os sacos”. 

Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg

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