Tony Blair apoiou-se em "crenças, não nos factos" ao decidir invadir o Iraque

Responsável pelo longo inquérito à participação do Reino Unido na ofensiva militar com os EUA sobre o Iraque fala pela primeira vez sobre os bastidores da investigação. Blair não foi "sincero" com o seu país.

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Tony Blair foi a figura central da investigação cujos resultados foram apresentados há um ano TOBY MELVILLE/Reuters

Tony Blair não foi “sincero" com o seu país no processo que levou à participação do Reino Unido na invasão do Iraque em 2003, disse quarta-feira o presidente da comissão de inquérito que em 2016 apresentou as suas conclusões “demolidoras” sobre o contributo britânico para a guerra. Numa entrevista à BBC, um ano depois, John Chilcot acredita que o antigo primeiro-ministro britânico se baseou mais em crenças do que em factos para avançar para o Iraque ao lado de George W. Bush.

Chilcot, um antigo alto quadro da função pública britânica, quebrou o silêncio após um ano de reserva sobre o longo inquérito ao papel do Reino Unido na invasão do Iraque, que vitimou 179 soldados britânicos e de tantos civis norte-americanos e mudou a política internacional e a própria política externa do país. Não havia “ameaça iminente” por parte do Iraque, lia-se na altura no relatório, e havia margem para alternativas à intervenção militar. Na base da decisão estiveram, concluiu a comissão, “informações e avaliações erradas”. Ainda assim, Blair acreditou que foi “a coisa certa” a fazer.

Agora, Chilcot detalha, numa conversa com a editora de política da BBC, Laura Kuenssberg, que a informação com que Tony Blair contribuiu para a investigação “era, da sua perspectiva e ponto de vista, emocionalmente verdadeiro”, mas que aquilo em que o primeiro-ministro trabalhista acreditava não correspondia aos factos. Dada a “grande pressão emocional” do momento, “ele estava a sofrer” e ter-se-á apoiado no seu instinto.

“Qualquer primeiro-ministro que leva um país para a guerra tem de ser sincero com o país”, disse Chilcot, quando questionado sobre se Blair foi o mais directo possível com os britânicos na época e durante o inquérito. “Não acredito que tenha sido o caso no que toca ao Iraque”, afirmou John Chilcot, que descreveu Tony Blair como “persuasivo” mas “não se afastando da verdade” e como um chefe de governo que decidiu entrar na guerra com base nas suas "crenças, não nos factos e no que os dados dos serviços de informação ajuizavam".

O responsável pela comissão de inquérito que demorou sete anos a apresentar as suas conclusões – e cujas sessões com Blair foram “extraordinariamente intensas” – falou ainda daquilo que considera ter sido a “necessidade de exercer influência na definição de políticas americanas”, uma “estratégia passiva” de Tony Blair, define Chilcot. Blair terá dito qualquer coisa como: “Tenho de aceitar o seu objectivo estratégico, a mudança de regime, para poder exercer influência”. Nesse contexto, a relação de Blair com o antigo Presidente George W. Bush é descrita como “diplomacia coerciva” pelo responsável do inquérito.

Tony Blair, através do seu porta-voz, indicou que “estes assuntos já foram tratados, em pormenor, na conferência de imprensa de duas horas que se seguiu à publicação do relatório”. Na altura, o antigo primeiro-ministro negou que a entrada do Reino Unido na guerra tenha tido por base “uma mentira” sobre a posse de armas de destruição maciça do regime de Saddam Hussein.

Já David Cameron, o primeiro-ministro que convidou John Chilcot a encabeçar a comissão em 2009, tentou acelerar a investigação mas o responsável considerou que tal seria “imperdoável”.

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