Primeiras renegociações do SIRESP feitas com corte nos meios

Tribunal de Contas censurou três governos no arranque do SIRESP. Costa dispensou período "experimental" em 2006 por estarem "acautelados os objectivos"

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O primeiro-ministro António Costa esteve a renegociar o SIRESP durante um ano quando teve a pasta da Administração Interna Miguel A. Lopes

"Mostram-se assim, na presente contratação, claramente violadas as normas", escreveram os juízes Lídio de Magalhães, Helena Ferreira Lopes e Carlos Moreno, no acórdão 363/06, de 27 de Dezembro de 2006. "Tal violação é susceptível de se repercutir negativamente no resultado financeiro do contrato", continua o documento, consultado pelo PÚBLICO nas instalações do Tribunal de Contas. "Encontra-se assim constituído o fundamento de recusa de visto", escrevem os juízes, embora essa não tenha sido a decisão que tomaram. A lei permite, nesses casos, um "visto com recomendações", e foi isso que aconteceu no complexo caso SIRESP - uma parceria público-privada (PPP) que já nasceu polémica.

Ainda antes de ter sido adjudicado, o SIRESP já tinha sido alvo de três resoluções do Conselho de Ministros (em 1999, 2002 e 2003), de dois despachos conjuntos de dois ministros, de um estudo do BPI, de várias "reuniões informais" e de múltiplos pareceres. Tudo isso desembocou, no dia 10 de Julho de 2003, num "procedimento excepcional", decidido ainda no mandato do ministro Figueiredo Lopes, com o aval da ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite, no Governo de Durão Barroso.

O convite para que cinco empresas se candidatassem a realizar "a concepção, o projecto, o fornecimento, a montagem, a construção, a gestão e a manutenção do SIRESP". Essas empresas eram a Siemens, a EADS, a OTE, a Nokia e a Motorola e, lê-se num relatório do Tribunal de Contas, "segundo os serviços" (do MAI), essas eram as empresas que esgotavam "o universo dos fabricantes" deste tipo de solução para as comunicações entre forças de segurança "dos países signatários do acordo de Schengen".

E é aqui que começa a censura do Tribunal de Contas (TC). Primeiro, porque o método escolhido suscita ao TC "dúvidas de legalidade". Depois porque o prazo para a recepção das propostas (52 "dias seguidos", depois acrescentados de mais 15, sem que se conheça um despacho nesse sentido) é para os juízes manifestamente insuficiente, num contexto em que o normal seria um prazo de 90 a 120 dias. A EADS, por exemplo, pediu uma prorrogação do prazo, mas a comissão de avaliação nomeada pelo Governo recusou. No dia 16 de Setembro de 2003 foram abertas as propostas. Mas só havia uma. Dois meses depois, no dia 17 de Novembro, a comissão de avaliação considerou que essa proposta, além de única, era  "inadequada ao interesse público a prosseguir".

E o que acontece então? Negoceia-se. Esta é a outra grande crítica dos juízes do TC. "Também se questiona o facto de, em fase de negociações" o Estado "ter dado a possibilidade ao concorrente de transformar uma proposta inadequada ao interesse público numa proposta adequada". Isto, como é claro, violava o próprio procedimento aplicado pelo Governo.

As negociações duraram um ano. E alteraram em muito o projecto inicial. As "estações base" previstas no SIRESP que foi apresentado (515) foram reduzidas para 451. O próprio Ministério da Administração Interna passou a disponibilizar instalações para o SIRESP, o que não acontecia na primeira versão do contrato. Com a redução do "número de sites" veio uma redução do número de "zonas" (de 9 para 7) e de "clusters" (de 2 para 1). Os "terminais de gestão", que eram 48, passaram a ser 14. Houve ainda reduções deste tipo no Metro, na Madeira e nos Açores, no plano de "roll out", na "transmissão" e no "sistema aplicacional".

E foi esta a versão do SIRESP que o Governo (já com Santana Lopes como primeiro-ministro) adjudicou, estando em gestão. Mais uma crítica do TC. A "renegociação" era mais um afastamento do que estava escrito "no caderno de encargos". As ligações do ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, a um dos sócios do consórcio SIRESP, a SLN, fizeram com que este fosse imediatamente um caso polémico. O novo Governo, do PS, decidiu declarar a "nulidade" do negócio.

O ministro era António Costa. Porém, em vez de levar tudo à estaca zero, o novo ministro optou, também, por renegociar. O que aconteceu, outra vez, ao longo de quase um ano. Em 5 de Maio de 2006, a comissão de avaliação desta PPP registou mais três alterações: "Foram eliminados alguns módulos não essenciais e procedeu-se à extinção dos centros do Porto, Madeira e Açores"; foi "eliminada a funcionalidade de gestão de facturação"; e, talvez mais importante, "foi eliminada a etapa de arranque". Ou seja, "foi feita uma simplificação do procedimento de aceitação do sistema, por se considerar que os testes e verificação do desempenho previstos, bem como o sistema de penalização por falhas desenhado acautelavam de forma adequada os objectivos definidos para a rede SIRESP", lê-se no acórdão do TC.

O PÚBLICO não teve acesso a várias peças deste processo, como o "anexo 29" - "procedimento de aferição das deduções por falhas na disponibilidade e por falhas de desempenho" - porque uma parte substancial deste processo é "reservada" por conter informação operacional das forças de segurança.

Mas o TC conclui que os vários governos optaram por "uma redução apreciável do objecto da prestação com uma redução do montante a despender". Mas, com isso não trataram de forma adequada do "princípio da estabilidade" negocial o que se traduziu numa menorização do "principio da concorrência".

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