Jeffry Frieden: "A estabilidade do euro não é uma questão económica, mas sim política"

Jeffry Frieden, professor na Universidade de Harvard, diz que ainda há dúvidas em relação à vontade dos países do euro para fazer as cedências de soberania que são precisas para a moeda única ser um sucesso.

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Economista norte-americano Jeffry Frieden: "A minha esperança é que no caso da zona euro apenas precisem de um erro" Nuno Ferreira Santos

Convidado pelo Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra para apresentar a sua análise acerca dos paralelos sobre a criação do dólar e do euro, o economista norte-americano Jeffry Frieden diz que a experiência de vários avanços e recuos na união monetária dos EUA mostra que a zona euro tem de ser mais credível na vontade de tornar a sua divisa um sucesso. 

Podem ter tido problemas no início, mas os Estados Unidos já mostraram que a sua união monetária é um sucesso. A zona euro já chegou a esse ponto?
Não, não chegou.

Quando é que isso pode acontecer?
A estabilidade da zona euro e do euro como divisa depende da resolução das dificuldades políticas subjacentes. Não é uma questão económica ou técnica, mas sim política. O que foi necessário para a criação credível de uma união monetária nos Estados Unidos foi a percepção de que uma maioria dos Estados membros e das pessoas acreditavam nas vantagens de uma divisa comum e estável. Neste momento, não é ainda claro que os Estados membros da zona euro têm vontade ou são capazes de fazer aquilo que é necessário para sustentar uma moeda única. E, portanto, as pessoas têm dúvidas. E essas dúvidas são fundadas. Há dúvidas em relação à vontade que alguns países da zona euro têm de fazer os sacrifícios necessários.

Que sacrifícios?
Sacrifícios que incluem mais reestruturação da dívida, mutualização das dívidas, colocar mais dinheiro num mecanismo de estabilização europeu, criar uma verdadeira união bancária. Todos esses compromissos exigem alguma cedência de soberania. Nesta altura, há um número significativo de Estados-membros que não parecem dispostos a abdicar dessa soberania. E isso aplica-se tanto aos países mais endividados como aos países credores. A Alemanha não se mostrou disposta a realizar alguns dos sacrifícios necessários. Fez sacrifícios, mas não as cedências suficientes. Da mesma maneira, alguns dos países endividados não fizeram cedências credíveis. Há culpa dos dois lados. 

Quando o euro foi criado, as mensagens dos políticos foram quase todas sobre os benefícios. Como foi nos EUA?
Todas as políticas económicas criam ganhadores e perdedores, têm custos e benefícios. Houve uma enorme oposição nos Estados Unidos à criação de uma moeda comum. Tanto foi assim que as primeiras duas tentativas foram derrotadas. Tanto o primeiro banco central como o segundo foram eliminados. A fonte das críticas foi que restringia a capacidade dos Estados para responderem a condições locais com políticas locais. Havia Estados que queriam criar mais bancos e imprimir mais dinheiro e a existência de uma divisa e um banco central comum significou que não podiam fazer isso. Foram precisos 75 anos para resolver os conflitos. Isso também é verdade na zona euro. E penso que foi provavelmente enganador os políticos não terem sido claros sobre os custos relacionados com a entrada na zona euro.

Nos Estados Unidos, o dólar apenas resultou após várias tentativas e erros. O mesmo tem de acontecer na Europa com o euro?
A minha esperança é que no caso da zona euro apenas precisem de um erro. O erro esteve na forma como a crise foi gerida. Tiveram esta crise, que poderia ter sido gerida de uma forma muito mais eficaz, com muito menos sofrimento se tivesse sido encarada desde o início. Deviam ter perguntado à população alemã em 2009: "O que é que preferem? Dinheiro dos contribuintes usado para salvar os bancos, alguns bancos na falência e austeridade limitada nos países da periferia e passados dois anos começar a crescer 2% ao ano ou impor todos os custos da austeridade nos países devedores, sem resgate dos bancos e estagnação durante 10 anos?". Se lhes fossem dadas estas duas opções, eu acredito que teriam escolhido a primeira. Não lhes foram dadas estas hipóteses, tudo o que ouviram foi que havia "gregos preguiçosos". Acho que a triste realidade da crise da zona euro é que havia hipóteses disponíveis que seriam melhores para toda a gente, mas nunca foram apresentadas da forma certa às opiniões públicas dos países da zona euro.

Na zona euro não mudou ainda muita coisa…
Está a tentar-se passar pelos pingos da chuva. O problema é que essa opção é cada vez menos viável à medida que os partidos extremistas se tornam poderosos.

O que é que é preciso mesmo mudar? A zona euro tem de ser mais como os EUA?
No horizonte visível, a Europa não se vai tornar muito parecida com os EUA. Em parte, porque é uma união de Estados soberanos; em parte porque há diferenças culturais, sociais e económicas muito significativas entre os Estados-membros e que são bem maiores do que as diferenças que se registam entre os Estados dos EUA. Mas há medidas que vão no sentido de dar às instituições europeias mais autoridade sobre as políticas europeias. Isso inclui, por exemplo, o Mecanismo de Estabilidade Europeu, uma regulação comum para os mercados financeiros ou mais coordenação nas políticas orçamentais.

É a favor das regras orçamentais europeias?
Não sou contra as regras, mas sou contra regras que não têm qualquer significado. Escrever um conjunto de regras numa folha de papel numa altura em que se sabe que elas não podem ser aplicadas é uma fórmula para perder credibilidade.

Nos EUA a regra de não bailout é bastante clara. Isso é positivo?
É bom para que os observadores e os mercados compreenderem que cada empréstimo que contraírem vão ter de assumir a responsabilidade por ele.

Na zona euro, há agora maiores diferenças entre as taxas do vários países do que havia antes da crise. Isso não dificulta a retoma?
Há uma série de mecanismos para partilhar esse custo entre credores e devedores. E realmente, um dos problemas fundamentais da forma como tudo isto foi gerido foi que quase todos os custos da crise foram colocados nas costas dos países devedores. À excepção da Grécia e de Chipre, não houve efectivamente nenhuma reestruturação de dívida. E, portanto, os devedores assumiram um peso desproporcionalmente grande do ajustamento à crise da dívida. Não é assim que as coisas funcionam. Normalmente, o credores assumem algumas perdas.

Uma reestruturação de dívida é uma boa ideia para Portugal?
Sem dúvida. Estas dívidas vão ter de ser reestruturadas porque são insustentáveis ao seu presente nível. Estão a trazer o crescimento económico para baixo nos países periféricos e portanto também a prejudicar o crescimento económico na zona euro como um todo. E, talvez ainda mais importante, estão a contribuir para uma disfunção política, para um conflito político.

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