Parlamento à beira do consenso sobre enriquecimento injustificado

Partidos inclinados a dar luz verde à proposta do PS de criminalizar a “desconformidade” das declarações de rendimento e património dos políticos e altos cargos públicos.

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Deputados encontraram forma de evitar a inversão do ónus da prova MIGUEL MANSO

O Parlamento está perto de conseguir um consenso sobre uma nova fórmula para tentar criminalizar o enriquecimento injustificado, desta vez tendo por base uma proposta do PS que pretende fundamentar o novo tipo de crime nas declarações de património e rendimento obrigatórias para titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Se a proposta for aprovada, será a terceira vez que os deputados tentam punir criminalmente os acréscimos patrimoniais não justificados e não tributados. Mas nas iniciativas anteriores recorreram a formulações que acabaram chumbadas pelo Tribunal Constitucional. Desde logo por ser inconstitucional a inversão do ónus da prova, e aquelas iniciativas colocavam sobre o suspeito a responsabilidade de provar que o enriquecimento tinha uma causa lícita, em vez de competir ao Ministério Público a prova da ilicitude.

O tema foi debatido na comissão eventual para o reforço da transparência na quinta-feira, quando Jorge Lacão apresentou a proposta do PS: “A base do novo tipo de crime é a verificação acréscimos patrimoniais desconformes” com os referidos nas obrigatórias Declarações de Património e Rendimento (DPR) que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos têm de apresentar ao Tribunal Constitucional. Ou seja, no caso de serem detectadas “declarações falsas e ocultação de património e rendimentos”.

Esta é a primeira novidade: o leque dos potenciais autores deste tipo de crime deixa de ser, ao contráro das anteriores propostas, universal (abrangendo todos os cidadãos), mas restringe-se a quem está sujeito às DPR. Para não ser um círculo demasiado estreito, o PS propõe que a mesma obrigação abranja “todos os altos dirigentes da administração directa e indirecta do Estado, bem como da administração local e das regiões autónomas”. E alarga-se o período temporal da fiscalização para três anos após a cessação de funções.

Com esta fórmula, “promove-se a criminalização da desconformidade intencional da declaração legal de rendimentos e bens apresentada pelos titulares de cargos políticos”, aplicando uma pena de prisão até 3 anos, lê-se no preâmbulo da proposta socialista.

Jorge Lacão defendeu que a este novo tipo de crime pretende agregar-se outro: o de crime de desobediência para a recusa de apresentar a DPR. E à pena de prisão até três anos acrescenta-se uma consequência fiscal: a Autoridade Tributária poderá reter a favor do Estado 80% desses rendimentos não justificados.

“Tanto nos casos de não apresentação de declarações, como nos casos em que se tenha conhecimento ou haja a suspeita de que estas são omissas ou inexactas, estabelece-se explicitamente, a par dos poderes de avaliação do Ministério Público já existentes, o dever de o Tribunal Constitucional comunicar tal facto à Autoridade Tributária”, explicita a proposta do PS. O fisco poderá, assim, aplicar uma taxa de retenção a manifestações de fortuna não justificadas.

PSD, CDS e BE manifestaram-se satisfeitos por os socialistas estarem agora a aproximar-se das posições defendidas por aqueles partidos, que já por diversas vezes tentaram criminalizar o enriquecimento ilícito. O que motivou momentos de atrito, já que os socialistas recordam que desde 2012 propuseram soluções deste tipo, mas que foram chumbadas pelos restantes partidos.

Irritações à parte, a verdade é que agora todos parecem caminhar para um consenso, ainda que haja variantes – o BE, por exemplo, insiste que deve tentar-se abranger todos os cidadãos e que a taxação deve ser a 100%. “Estamos dispostos a negociar uma solução aceitável”, afirmou Duarte Marques (PSD). Mas, alertou Vânia Dias da Silva (CDS), “trata-se de matéria sensível e estas soluções não estão isentas de mácula jurídica, pelo que têm de ser bem estudadas”.

António Filipe (PCP), considerou “curta” a ideia de desconformidade entre a declaração e a realidade, mas saudou a “evolução positiva” e deu o seu contributo para contornar outro dos fundamentos de chumbo do TC em anteriores diplomas: “A definição do bem jurídico em causa deve ser o dever de transparência de declarar rendimentos e património”. 

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