E a história repete-se …

Pela segunda vez desde 2000, os EUA abandonam um tratado internacional sobre alterações climáticas.

Pela segunda vez desde 2000, os EUA abandonam um tratado internacional sobre alterações climáticas.

Em 2001, Bush recusou ratificar o Protocolo de Quioto (PQ), invocando os efeitos adversos na economia decorrentes dos cortes impostos aos países desenvolvidos na redução de emissões de gases de efeito de estufa (GEEs), cortes aos quais países em desenvolvimento, como a China e Índia, não estavam sujeitos.

Depois de apenas quatro meses no poder, os piores receios concretizaram-se. A administração dos EUA acaba de anunciar o abandono do Acordo de Paris, deitando por terra o esforço e envolvimento do anterior Presidente na obtenção do consenso obtido na COP21 em 2015, depois de anos de negociações frustrantes.

Ao contrário do PQ, o novo Acordo envolve países desenvolvidos e em desenvolvimento e é voluntário, o que torna a saída ainda mais extrema. Cada país estabelece metas voluntárias de redução de emissões de GEEs com vista à obtenção do objetivo estabelecido de limitar o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais até 2100. Foi a natureza voluntária e não punitiva do acordo uma das razões pelo sucesso na obtenção da assinatura do Acordo por 195 países e já ratificado por 147, incluindo EUA, China e Índia.

Com esta decisão, Trump ignorou líderes empresariais, líderes locais, os seus próprios Secretários de Estado e de Defesa, eleitores (70% a favor da manutenção), líderes do G7 e até o Papa. Novamente, o argumento é a economia e a sua promessa de colocar em primeiro lugar os trabalhadores norte-americanos.

No entanto, é difícil perceber esta decisão, precisamente com base em argumentos económicos. Estudos têm mostrado que o aquecimento global terá um forte efeito negativo sobre a economia norte-americana. Por exemplo, um estudo de professores de Stanford e Berkeley, publicado na revista Nature, estima que pode verificar-se uma quebra de cerca 36% do PIB per capita norte-americano em 2100 (Burke, Hsiang e Miguel, 2015).

De acordo com estimativas da NOAA, o nível da água do mar poderá ter subido 1m em Miami em 2060. No final do século, cerca de 934.000 propriedades na Florida, com valor estimado de mais de 400 mil milhões de USD, estão em risco de serem submersas. Ironicamente, isto pode incluir a propriedade Mar-a-Lago de Trump. Nova Iorque é outra megacidade em risco.

Também, abandonando o Acordo, os EUA cedem a liderança sobre clima e energias renováveis a outros países, tornando o país menos competitivo no mercado de energia limpa, enquanto outros fazem investimentos no setor, geram emprego e crescimento económico. No início de 2017, a China anunciou investimentos de cerca de 360 mil milhões de USD nos próximos três anos, com a criação de 13 milhões de empregos. Em 2016, a China tornou-se já o maior produtor de energia solar do mundo.

Pelo contrário, desde o início, Trump tem dado sinais em sentido oposto, anulando políticas estabelecidas por Obama que forçavam as centrais térmicas à redução das suas emissões de carbono. Também, a intenção é aumentar a produção de energia fóssil.

A única boa notícia é que este não é um sentimento partilhado pela maioria do país. Nos últimos anos, mais de 400 cidades comprometeram-se a reduzir as emissões de carbono. Quase 30 dessas cidades, a mais recente das quais, Atlanta, comprometeram-se a fazer a transição para energia 100% limpa nas próximas décadas. Com ou sem governo federal, autarcas e governadores não parecem dispostos a recuar neste percurso. Numa carta dirigida a Trump no passado mês de março, 70 responsáveis locais reiteraram os seus compromissos na luta contra as alterações climáticas. Contudo, o combate à ameaça real das alterações climáticas torna-se bem mais difícil sem o envolvimento do Administração do segundo maior emissor mundial de GEEs.

Esta será uma mancha negra no legado de Trump, um fardo para a Humanidade e gerações futuras. E ainda só passaram quatro meses de Administração…

Docente da Católica Porto Business School

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