O futuro de Donald Trump pode passar por um cowboy do Montana

Os candidatos do Partido Democrata nas eleições especiais para a Câmara dos Representantes estão a obter resultados acima do esperado. Esta quinta-feira é a vez de entrar em cena Rob Quist, um músico e cowboy sem experiência política.

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Quist tem feito uma campanha surpreendente Rob Quist/Facebook

Tal como as eleições autárquicas em Portugal são muitas vezes vistas como um referendo sobre o trabalho dos governos nacionais, nos EUA também há algumas eleições que interessa acompanhar para se perceber se algo está a mudar no país que colocou Donald Trump na Casa Branca há apenas seis meses. É certo que ainda falta um ano e meio para que os americanos digam nas urnas se querem manter o Partido Republicano em maioria no Congresso ou se querem mudar o controlo para as mãos do Partido Democrata, mas o resultado da eleição desta quinta-feira no estado do Montana pode dar um cheirinho daquilo que está a acontecer por baixo dos radares da confusão em Washington.

No canto vermelho, a representar o Partido Republicano, está o magnata da tecnologia Greg Gianforte, um conservador de 56 anos, nascido na Califórnia, que se tem colado à imagem de Donald Trump ao longo da campanha; no canto azul, em nome do Partido Democrata, está Rob Quist, um músico cowboy de 69 anos, nascido e criado no Montana, que faz lembrar Bernie Sanders se não estivermos a olhar para ele enquanto fala.

O troféu é o único lugar ocupado pelo estado do Montana na Câmara dos Representantes (a câmara baixa do Congresso norte-americano, com os seus 435 membros eleitos – a câmara alta é o Senado, que tem 100 membros também eleitos).

A eleição desta quinta-feira no Montana é importante porque o Partido Democrata tem de roubar pelo menos 24 lugares ao Partido Republicano na grande eleição de Novembro de 2018 se quiser voltar a ter a maioria na Câmara dos Representantes (o órgão legislativo que, por exemplo, tem poderes para destituir um Presidente).

Apesar de o Montana ser o 4.º maior estado dos 50 que constituem os EUA, é também o 6.º a contar do fim em população, com pouco mais de um milhão de habitantes – é como juntar um território quatro vezes maior do Portugal e enviar para lá apenas os habitantes de Lisboa e do Porto e dois estádios da Luz dos antigos cheios como um ovo.

O magnata e o cowboy

Gianforte, o republicano, ou Quist, o democrata – um deles vai ocupar o lugar deixado vago pelo republicano Ryan Zinke há dois meses, quando foi chamado por Donald Trump para ser secretário do Interior.

O facto de Zinke ter sido eleito no Montana pode ter pesado na decisão de Trump. Afinal, os eleitores deste estado, que fica lá em cima, na fronteira com o Canadá, têm enviado um candidato do Partido Republicano para a Câmara dos Representantes nos últimos 20 anos – a maioria dos habitantes defende valores conservadores, e mesmo os poucos representantes do Partido Democrata que são eleitos (como o actual governador, Steve Bullock) não podem desatar a defender propostas como as de Bernie Sanders, sob pena de não voltarem a ser eleitos.

É aqui que entra o candidato deste ano do Partido Democrata, Rob Quist. Sempre com o seu típico chapéu de cowboy e bigode a condizer, Quist tem percorrido numa autocaravana o estado onde nasceu e onde sempre viveu, passando de terra em terra com a sua guitarra e as suas canções folk. A condizer com o Montana, Quist é um acérrimo defensor do porte de armas, que usa para caçar; a condizer com a veia mais liberal do Partido Democrata, defende o consumo de marijuana e quer vencer as eleições para tentar travar o fim do sistema de seguros conhecido como Obamacare.

Até há poucas semanas, nem sequer o Partido Democrata estava a prestar muita atenção à eleição desta quinta-feira – ninguém se atrevia a sonhar que um candidato como Rob Quist poderia pôr fim ao domínio do Partido Republicano no Montana, ainda por cima apenas seis meses depois de Trump lá ter ganho com uma vantagem de 20 pontos em relação a Hillary Clinton.

Mas é precisamente por isso que as eleições no Montana devem ser acompanhadas com atenção: Quist conseguiu juntar vários milhões de dólares em doações, grande parte deles através de pequenos contributos de organizações que apoiaram Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata no ano passado. O seu adversário, Greg Gianforte, juntou ainda mais (o que fez desta campanha a mais dispendiosa de sempre no Montana) e passeou-se pelo estado ao lado do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e do filho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr.

Perder por poucos é uma vitória

É muito difícil antever o que vai acontecer esta quinta-feira no Montana – apesar de haver poucas sondagens, o candidato do Partido Republicano aparece sempre à frente, e com uma margem confortável, mas o seu adversário tem diminuído a diferença de tal forma que até Bernie Sanders se rendeu e decidiu aparecer ao seu lado numa acção de campanha.

O que se sabe é que se Rob Quist ganhar, será a vitória mais espectacular das últimas décadas na política americana, talvez ainda mais surpreendente do que a eleição de Donald Trump – e será tratada pelos analistas como um sinal de que o Partido Democrata começa a provar que tem grandes hipóteses de roubar a maioria da Câmara dos Representantes ao Partido Republicano, em Novembro de 2018.

A ideia é que se o Partido Republicano perde o congressista de um estado tão conservador como o Montana, que elege um dos seus há duas décadas e que ainda há seis meses votou de forma esmagadora em Trump, então poderá ter o caminho aberto para derrotar 23 congressistas republicanos eleitos em estados onde Hillary Clinton foi a mais votada no ano passado. Mas essas contas só poderão ser feitas em Novembro de 2018, quando todo o país for a votos para escolher uma nova Câmara dos Representantes e um novo Senado – e a verdade é que se 18 meses em política é uma eternidade, 18 meses no actual panorama político norte-americano é uma eternidade e mais seis meses.

As perspectivas de um bom resultado do Partido Democrata no Montana seguem-se aos excelentes resultados que os seus candidatos tiveram em outras duas eleições especiais que já decorreram este ano, também para a Câmara dos Representantes.

Na Georgia, Jon Ossoff, de apenas 30 anos, conseguiu o impensável – partiu muito atrás dos candidatos do Partido Republicano e acabou por ser o mais votado. Ficou a apenas 1,7 pontos dos 50% necessários para ser declarado vencedor, e por isso vai ter de disputar uma segunda volta em Junho, mas o facto de ter chegado tão longe deixou os analistas de boca aberta – e, de acordo com a sondagem mais recente, tem sete pontos de vantagem sobre Karen Handel, a candidata do Partido Republicano, uma experiente política que já foi secretária de Estado da Georgia.

No Kansas, a vitória caiu para o Partido Republicano, como era esperado, mas o candidato do Partido Democrata, James Thompson, também causou surpresa: num dos distritos mais republicanos de todo o país, onde Trump venceu com uma diferença de 27 pontos em Novembro, Thompson ficou a apenas sete pontos do favorito do Partido Republicano, Ron Estes, também ele um político experiente.

Nas próximas semanas vão também realizar-se eleições para a Câmara dos Representantes na Califórnia e na Carolina do Sul – na Califórnia o Partido Democrata é o grande favorito e na Carolina do Sul haverá notícia se o candidato do Partido Republicano não ganhar por muitos.

Para além de ser ainda muito cedo para se saber se estes resultados apontam para algum descontentamento com a Administração Trump, o Partido Democrata terá também de se preparar para uma nova realidade – os candidatos que estão a encurtar distâncias para o Partido Republicano nas eleições especiais para a Câmara dos Representantes são quase todos novatos na política e têm um discurso mais liberal do que Hillary Clinton. Falta também saber se essas movimentações no eleitorado vão obrigar o Partido Democrata a apresentar um candidato com essas características nas eleições presidenciais de 2020, se quiser impedir a reeleição de Donald Trump.

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