Visita de Costa à Madeira provoca demissão do líder parlamentar do PS regional

Socialistas madeirenses não perdoam intromissão de Lisboa na vida interna do partido. Em causa está encontro de Costa com partido rival do PS-Madeira.

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António Costa e Paulo Cafôfo mantêm uma relação próxima e voltaram esta semana a expressar essa cumplicidade política HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

Foi o António Costa primeiro-ministro ou o António Costa secretário-geral do PS quem visitou esta semana a Madeira? Os socialistas madeirenses dizem que foram ambos e acusam Costa de desrespeitar a autonomia do PS-Madeira, ao participar num almoço com dirigentes do Juntos pelo Povo com uma possível coligação para a Câmara do Funchal na ementa.

Para já, os dois dias que António Costa passou no arquipélago provocaram uma baixa na estrutura local do partido, com o líder do grupo parlamentar socialista no parlamento regional, Jaime Leandro, a apresentar esta quinta-feira a demissão. E explica porquê.

“O primeiro-ministro resolveu confundir os papéis, e decidiu reunir[-se] com forças políticas que concorrem com o PS no espectro regional”, afirma Jaime Leandro ao PÚBLICO, dizendo ser “inaceitável” que a visita de um governante se transforme num acto partidário. “Não aceito isso do PSD-Madeira, e não posso aceitar isso do meu próprio partido”, acrescenta Jaime Leandro, que é também secretário-geral do PS-Madeira. Esse  cargo pode também estar em risco. Leandro admite estar a reflectir e adianta que em política tudo está em aberto.

Na base da demissão está precisamente o encontro entre Costa e o JPP, quarta-feira, após a cerimónia de homenagem a Cristiano Ronaldo no aeroporto que agora ostenta o nome do jogador. Falou-se das eleições autárquicas e de um possível apoio daquele partido ao independente Paulo Cafôfo, que concorre em Outubro a um segundo mandato.

Cafôfo, que em 2013 foi eleito por uma coligação de partidos encabeçada pelo PS, que reunia também BE, MPT (Partido da Terra), PTP (Partido Trabalhista Português), PND (Partido Nova Democracia) e PAN, tem estado a negociar o apoio do JPP. A ideia é reforçar a base política de apoio à coligação Mudança, que pelo caminho perdeu a confiança do PTP de José Manuel Coelho e do PND de Gil Canha. Dois partidos que em conjunto podem valer perto de cinco mil votos, quando as eleições de 2013 foram decididas por menos de quatro mil.

Mas Cafôfo não é uma escolha da actual liderança do PS-Madeira, protagonizada por Carlos Pereira. E o JPP não é bem visto pelos socialistas madeirenses. No parlamento regional, têm o mesmo número de deputados (cinco) e os principais rostos daquele que começou por ser um movimento autárquico em Santa Cruz, o segundo concelho da Madeira, são os dos irmãos Filipe e Élvio Sousa. Dois ex-militantes do PS-Madeira. “Foram pessoas que prejudicaram o partido”, diz Jaime Leandro.

Na memória recente do PS-Madeira está o apoio que o partido começou por dar, em 2013, ao movimento liderado por Filipe Sousa, que viria a ganhar Câmara de Santa Cruz. Mas esse entendimento desfez-se quando o movimento, para poder disputar as eleições regionais, se formalizou como partido político, o Juntos pelo Povo. Essa cisão deixou feridas profundas no relacionamento entre as duas forças partidárias, tanto que têm sido os socialistas os mais críticos da gestão autárquica de Santa Cruz.

Mas Costa ou não soube ou optou por ignorar essas sensibilidades regionais. “Não perceber a autonomia do PS-Madeira é não perceber a própria autonomia regional”, acusa Jaime Leandro, vincando que quem manda no partido são os militantes madeirenses. “Não são os ex-militantes nem aqueles que podem vir a ser”, sublinha, referindo-se aos dirigentes do JPP e ao próprio Cafôfo, que há quem veja como um provável sucessor de Carlos Pereira, o actual líder do PS-Madeira que é deputado em São Bento.

"Grave e deselegante", diz governo regional

Na é a primeira vez que PS-Madeira e direcção nacional andam de candeias às avessas. Nas legislativas de 2015, Costa anunciou, à revelia dos socialistas madeirenses, o nome de Bernardo Trindade, ex-secretário de Estado de Sócrates, como cabeça de lista pela Madeira. Carlos Pereira bateu o pé e acabou por obrigar Costa a recuar.

Já a proximidade entre Cafôfo e Costa é diferente e tem sido difícil de digerir pela estrutura regional socialista. Na terça-feira, primeiro dia da visita do primeiro-ministro à Madeira, Cafôfo e Costa estiveram juntos em duas inaugurações no Funchal, para as quais os dirigentes socialistas não foram convidados.

De fora das fotografias ficaram também o presidente do governo madeirense, o social-democrata Miguel Albuquerque, e o presidente do parlamento regional, Tranquada Gomes, que também não foram convidados. Uma quebra “grave e deselegante” de protocolo, disse fonte da presidência do executivo regional ao PÚBLICO.

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