As eleições holandesas, os socialistas e o PPE

Com direita radical ou sem ela, o problema dos imigrantes, dos refugiados, da sua integração ou até da simples mobilidade laboral dos cidadãos europeus faz parte da agenda política.

1. As eleições holandesas originaram um conjunto de observações, prognoses e comentários que merecem, eles próprios, comentário. O primeiro de todos e o mais glosado foi o de que, mesmo perdendo, Geert Wilders e a sua linha populista tinham afinal ganhado. Por um lado, porque haviam subido a sua percentagem e conquistado mais um punhado de deputados. Por outro lado, porque tinham pautado todo o debate político e condicionado toda a estratégia das forças políticas com as quais competiam.

Não há dúvida de que o partido populista de direita radical melhorou os seus resultados, mas ficou claramente abaixo de todas as previsões, muito atrás do vencedor das eleições (liberais de Mark Rutte) e só ligeiramente acima de outros dois partidos de centro direita (liberais do D66 e democratas-cristãos). Ou seja, nem sequer foi um segundo isolado, capaz de polarizar e protagonizar uma sólida corrente alternativa. De resto, esquece-se que, na legislatura precedente à que agora acabou, Wilders teve resultados bem melhores dos que obteve nas eleições do passado dia 15 de Março: esta não é sequer a sua melhor marca! Ver aqui uma qualquer vitória é pura ilusão de óptica.

Quanto ao argumento que julgo que mais poderia justificar a ideia de que os populistas dos Países Baixos foram um “perdedor-vencedor” – o argumento da captura e do domínio dos polos do debate político –, vale a pena ir um pouco mais fundo. Antes do mais, há que considerar a participação eleitoral invulgarmente alta, na casa dos 81 por cento. Uma afluência às urnas deste calibre, especialmente depois do "Brexit" e da eleição de Donald Trump, é significativa de uma vontade expressa de derrotar a agenda populista. Se esta mobilização política e cívica e os concretos resultados que dela saíram não consubstanciam uma clara rejeição do trilho populista e xenófobo, não vislumbro nem entrevejo em que poderia ela traduzir-se.

É evidente que, seja pelo perfil histriónico da campanha e do seu protagonista, seja pela substância altamente controversa e problemática das suas declarações, Wilders marcou os eixos mediáticos da discussão eleitoral. Muitos consideram que os partidos tradicionais tiveram mesmo de adaptar o seu discurso e alguns dos seus princípios programáticos para tentar agarrar eleitorado que poderia transitar para a direita radical. Mas a verdade é que esses partidos e outros emergentes se apresentaram assumidamente como forças pró-europeias, reafirmando o seu compromisso com a União.

Tudo o que se disse não invalida que a questão da imigração – e não propriamente da “identidade” – seja hoje uma questão que preocupa, divide e mobiliza a opinião pública. E que os partidos aspirantes ao Governo têm de encontrar uma resposta para essa preocupação dos cidadãos. Wilders não ganhou o debate; Wilders levanta uma bandeira e explora uma ansiedade que existe e subsiste efectivamente nas sociedades europeias e para as quais os partidos, sejam de esquerda ou de direita, têm de buscar soluções. Já aqui escrevi dezenas de vezes: só me revejo em soluções que sejam conformes à tradição humanista e tolerante das democracias liberais.

Estão, por isso, certos os que notam que o tema não foi enterrado com a derrota de Wilders e que ainda pode causar grande polarização noutras paragens eleitorais. Mas isso não é, nem de perto nem de longe, uma vitória moral dos populistas holandeses. Não. Isso é um problema que existe, com o qual é preciso lidar e para o qual é necessário encontrar respostas políticas. Com direita radical ou sem ela, o problema dos imigrantes, dos refugiados, da sua integração ou até da simples mobilidade laboral dos cidadãos europeus faz parte da agenda política. E quem pensar o contrário, reduzindo o debate político a uma cartilha económico-social, está rotundamente enganado.

2. Uma segunda asserção, que muitos abraçaram, foi a de uma renovação da esquerda, com a subida expressiva dos ecologistas e a humilhação eleitoral do partido trabalhista (homólogo do PS português). A tese mais sufragada foi a de que derrocada dos trabalhistas de Deijsselbloem teria origem na sua ortodoxia económico-financeira, especialmente em matéria de euro. Mas dos 29 deputados perdidos só 15 foram ganhos por partidos de esquerda, supostamente menos ortodoxos (e digo “supostamente”, porque a ortodoxia económica não divide propriamente a sociedade holandesa). E os agora incensados ecologistas, que conseguiram mais 10 deputados, fizeram a sua campanha essencialmente centrados numa apologia da Europa e numa condenação da xenofobia. A pulverização partidária e uma certa tribalização do voto – muito característica do modelo holandês de democracia consensual (Lijphart), com raízes na velha segmentação religiosa – não autoriza essa interpretação do novo fôlego da esquerda. Quando o incensado líder dos ecologistas mostra grandes empatia para com o Podemos e com Corbyn, está tudo dito sobre o ímpeto renovador.

3. Uma terceira nota – já fora dos comentários mais imediatos – está ainda ligada à implosão dos socialistas. O PS vem agora tomar distância de Deijsselbloem, divergindo da sua própria família. Porventura com razões. Mas tal distanciamento prova apenas o que tão insistentemente tenho escrito, especialmente quando entre nós tanto se execra e condena o PPE – como erradamente, e uma vez mais, fez aqui Teresa de Sousa no Domingo. A clivagem europeia não está nas famílias políticas (o SPD de Schultz ratificou a política de Schäuble). E tanto não está que até António Costa apoia Tusk e Juncker e, diz-se agora, quer Luis de Guindos – do PP espanhol – para a chefia do Eurogrupo. Por muito que custe ao nosso establishment mediático, sempre lesto em julgamentos convenientes à esquerda ora reinante, o problema não está no PPE, decerto o mais pró-europeu dos partidos transnacionais.  

 

SIM e NÃO

 

SIMPresidente da República. A visita a Bruxelas que fará amanhã coincide com o primeiro aniversário dos atentados no aeroporto. Uma profissão de fé humanista e pró-europeia com grande valor simbólico.

NÃO. Ministra da Administração Interna. Depois do veto do estatuto da GNR, está agora a braços com as insuficiências do SEF. Um a um, tem claudicado em quase todos os campos sob a sua competência.

 

 

 

 

    

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