Manifestação por jovem agredido pela polícia em França acaba em violência

Théo L. tornou-se em caso nacional. Foi agredido por um polícia, que é acusado de o ter violado com um bastão. Hollande já o visitou no hospital. Marcha de duas mil pessoas terminou em confrontos no sábado e trouxe fantasma dos motins de 2005. O racismo e a violência policial voltaram ao debate.

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A marcha de ontem a favor de Théo, brutalizado pela polícia numa rusga a 2 de Fevereiro, transformou-se em episódio com violência LUSA/YOAN VALAT
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Eram cerca de duas mil pessoas a empunhar cartazes em defesa de Théo  L., um jovem negro agredido brutalmente por quatro polícias há mais de uma semana e alvo de ataques racistas. Um dos polícias é acusado de violação com um bastão.

O episódio de violência ocorreu no dia 2 de Fevereiro, em Aulnay-sous-Bois a nove quilómetros de Paris. O caso tornou-se no acontecimento político desta última semana em França, colocando no centro do debate a relação entre a polícia e os subúrbios, e as três milhões de abordagens que faz por ano aos residentes da periferia. Na quarta-feira, Théo teve até direito a uma visita no hospital do Presidente François Hollande, que elogiou o “comportamento exemplar” de um jovem que não tem cadastro. Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita às eleições presidenciais de Abril, não apoiou o jovem e afirmou que confia na polícia até a Justiça provar o contrário.  

Tudo apontava para uma marcha pacífica, no sábado à tarde: “Em solidariedade com os inocentes”, “Justiça para Théo”, “A polícia viola” lia-se nas ruas em frente ao Tribunal de Bobigny, em Seine-Saint-Denis, uma cidade nos subúrbios de Paris, como mostram as imagens.

Mas a onda de solidariedade pacífica transformou-se numa tarde violenta com vidros partidos, carros incendiados, projécteis lançados contra as forças de segurança. A polícia lançou gás lacrimogénio e granadas, relata o Le Monde. Uma carrinha da rádio RTL seria atingida, embora o jornalista e o técnico tivessem ficado a salvo, especifica a Reuters.

Foi por volta das 17h30, conta o Le Monde, que a violência estalou. A prefeitura emitiria um comunicado a dizer que vários carros foram incendiados, e que a polícia teve que intervir para “resgatar uma criança que ficou fechada num carro”. Mas o Le Parisien noticiava que tinham sido manifestantes a ver a criança e a chamar o corpo de intervenção. O Libération refere as contradições sobre este episódio que está pouco claro e que promete continuar a ser foco de polémica: há quem tenha afirmado que quem tirou a criança do carro foram pessoas que estavam a passar e que o carro não estava a arder.

O episódio deste sábado fez lembrar os motins de 2005, quando vários carros e edifícios ficaram em chamas ao longo de três semanas de incidentes e o então Ministro do Interior Nicolas Sarkozy declarou o estado de emergência. Aulnay-sous-Bois foi uma das cidades onde dispararam os motins.

Segundo a polícia, cerca de duas centenas de pessoas à margem da manifestação andavam de um lado para o outro e provocaram os distúrbios.

O fantasma de 2005

Talvez por causa desse fantasma Yanis Rezzou, uma jovem de 18 anos citada pelo Le Monde, tenha apelado nas redes sociais: “Nada de violência”. Ao protesto, chegaram pessoas de todo o lado, reporta o Le Monde: jovens, mais velhos e até crianças. “Estamos revoltados, dizia uma mulher de 32 anos, “esta forma de violência policial contra as pessoas dos bairros populares não para de se repetir. O Théo teve a coragem de o denunciar mas muitos calam-se”. Ao microfone, denunciou-se o “acto criminoso de um polícia que enfiou o seu bastão no ânus de Théo”. E reivindicaram: “Somos todos cidadãos franceses”.

“Não percebo. Não pensei que isto podia acontecer”, disse outra jovem de 18 anos à AFP. “E não percebo como é que se pode dizer que isto era um acidente. Não considero estes homens polícias.”

Já no dia 8 tinha havido uma manifestação convocada pelo grupo Action Antifasciste, em Paris, onde foram cerca de 250 pessoas, e outra em Nantes, com mais de 300, dados do Le Monde. No próprio sábado a seguir à detenção de Théo os habitantes de Seine Saint Denis tinham-se reunido, e foram relatados incidentes.

A indignação tem atravessado vários sectores da sociedade francesa. O ministro do Interior, Bruno Le Roux, considerou o caso de “extrema gravidade” e quis encontrar-se com a família de Théo. A família recusou afirmando que o que queria era justiça.   

Suspensos das suas funções para investigação, os quatro polícias da brigada especial envolvidos no incidente alegam que o jovem resistiu numa busca que fizeram a uma zona de tráfico de droga. Porém, vizinhos filmaram a detenção. Numa reconstrução do que aconteceu, o Le Parisien publicou um vídeo de parte da acção policial, com testemunho de uma pessoa que assistiu. O morador no bairro há 30 anos disse que nunca tinha visto nada assim. “É ultrajante", afirmou.  

O Parisien conta que um dos polícias usou o bastão para atingir os membros inferiores de Théo e o imobilizar. Segundo um dos polícias, já na viatura de serviço o jovem continuou “a insultar e a cuspir” aos agentes. Théo, porém, relata os insultos racistas de que foi alvo: “preto filho da mãe, querias ser inteligente mas olha só como és”, ouviu. 

Quando Théo chegou à esquadra, o comissário exigiu que o levassem de imediato às urgências: seria diagnosticado com fortes lesões no canal anal com dez centímetros de profundidade, relata o Parisien.   

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