De Roosevelt ao boné de Trump: Viagem às campanhas eleitorais dos EUA

O historiador José Pacheco Pereira mostra o seu espólio de material de campanha de várias eleições presidenciais dos EUA, dos anos 1930 até às mais recentes.

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Donald Trump num comício a 2 de Novembro, na Flórida Carlo Allegri / Reuters

O boné vermelho com o lema “Make America Great Again” tornou-se omnipresente na campanha de Donald Trump. Raro foi o comício em que o magnata nova-iorquino não aparecesse com aquele adereço que, associado à virulência dos seus discursos, estava longe de lhe conferir um aspecto “presidenciável”. Mas aquele simples boné, semelhante ao usado diariamente por milhões de americanos, fez algo que se tornaria vital para a sua vitória sobre Hillary Clinton – “aproximou-o do seu eleitorado”, diz o historiador José Pacheco Pereira.

Tornou-se num objecto “icónico” e não é por acaso que é uma das peças em destaque na exposição “A propaganda nas eleições presidenciais dos EUA – 2016”, que reúne parte do espólio que Pacheco Pereira foi juntando, e que abre esta terça-feira ao público na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Apesar de o pretexto ser as últimas eleições presidenciais, vão ser expostos materiais de campanha desde os anos 1930.

Pacheco Pereira considera que as campanhas eleitorais nos EUA “são muito estereotipadas”. Ao longo do período que documenta “não há tanta evolução como isso, o que há é campanhas fortemente identitárias, que marcaram o processo eleitoral”. O historiador escolhe algumas: as várias campanhas contra Franklin Roosevelt – ilustrada por um crachá onde se aconselha a primeira-dama Eleanor Roosevelt a “fazer as malas”; a de George McGovern, em 1972, contra Richard Nixon; e a mais recente de Bernie Sanders, que diz ter um “precedente” na de McGovern.

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Nixon toxina

Um dos materiais de campanha que mais interessa ao também ex-deputado do PSD são os de propaganda negativa. Nixon, por exemplo, chegou a ser comparado a uma “toxina” através do jogo de palavras “Noxin”. Já na campanha mais recente, Clinton aparecia em cartazes atrás das grades nos comícios de Trump enquanto os democratas distribuíam sabonetes em miniatura “para as mãos pequeninas” do republicano.

Sistemas políticos diferentes ocasionam campanhas diferentes. Pacheco Pereira nota várias diferenças entre os materiais usados pelos partidos europeus e os norte-americanos. Os crachás são os elementos mais comuns nas campanhas dos EUA, assim como as tabuletas que na época das eleições são uma visão comum nos relvados dos subúrbios. Os autocolantes de campanha são usados com fins diferentes – os bumper stickers são maiores e são colados aos carros, e não usados na roupa como era comum na Europa.

Outro pormenor é a introdução de um aviso nos materiais que são fabricados com recurso a mão-de-obra sindicalizada, conhecidos como union bug, e que obviamente são relevantes para campanhas que contam com o apoio dos sindicatos.

A exposição tem grande incidência sobre os pequenos partidos, apesar da caracterização comum do sistema norte-americano como bipartidário. “Há uma grande documentação sobre o Partido Libertário e muitas fotografias dos partidos mais à direita, que retratam a América profunda”, diz Pacheco Pereira. Mas mesmo nas formações mais pequenas, “todo o processo eleitoral está documentado, desde que os candidatos ainda são candidatos a candidatos”, acrescenta.

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O centro das campanhas contemporâneas não está no material físico, admite o historiador, mas sim nos anúncios pagos de televisão e nas redes sociais. Mas é possível tirarem-se algumas conclusões. Pacheco Pereira dá o exemplo nas diferentes estratégias escolhidas por Clinton e por Trump. “A [campanha] de Clinton é diferenciada para apelar a diferentes grupos sociais, há cartazes e autocolantes com referência aos hispânicos, negros, nova-iorquinos, até para os habitantes das ilhas Guam. Já Trump dirige-se simplesmente ao conjunto dos americanos”, explica o especialista.

Mas em 2016 a “campanha dos objectos físicos não teve grande inovação”, diz o historiador que passou uma temporada nos EUA durante na altura das eleições. “Como era uma campanha muito radicalizada, a mensagem não tem qualquer ambiguidade que possa ter tratamento estético – eram todos contra todos”, conclui.

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