Google quer saída “mutuamente satisfatória” na luta com Bruxelas

Vice-presidente para os assuntos de políticas públicas na Europa argumenta que o sistema operativo Android está aberto a aplicações que concorrem com as da própria multinacional.

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O Android, cujo desenvolvimento é liderado pelo Google, é líder de mercado em todo o mundo ERIC GAILLARD/ REUTERS

O Google não tem tido uma vida fácil com a Comissão Europeia. Uma das preocupações do regulador europeu, que tem tradição de ter mão pesada sobre as grandes multinacionais americanas, são as práticas anticoncorrenciais relacionadas com o sistema operativo Android, cujo desenvolvimento é encabeçado pelo Google e que equipa a grande maioria dos telemóveis em todo o mundo. É um caso que lembra os processos que há anos envolveram a Microsoft e que acabaram, em mais do que uma situação, com a empresa a pagar multas de centenas de milhões de euros e a dar aos utilizadores a opção de escolherem software concorrente. O gigante da Internet parece querer um desfecho diferente.

“O que queremos é resolver estes casos, garantir que respondemos às questões e preocupações da Comissão”, explicou o vice-presidente para políticas públicas na Europa,  Nicklas Lundblad, numa conversa com o PÚBLICO, em Lisboa. “Idealmente, encontraríamos uma forma de resolver estas diferenças de uma forma mutuamente satisfatória”, acrescentou.

Lundblad disse “perceber por que é que as pessoas fazem a comparação” entre o caso do Android e os da Microsoft, que acabaram com a empresa a ter de retirar o Windows Media Player (um programa de música e vídeo. pré-instalado no Windows) do sistema operativo, a pagar multas e a oferecer uma janela de escolha de browsers concorrentes do Internet Explorer.  “Há um sistemas operativo e há pré-instalação [de software], mas [as semelhanças] param aí”, defende Lundblad , argumentando que “a possibilidade de instalar outras aplicações na plataforma [do Google], é muito maior”.

Segundo Lundblad, “há mais de 100 milhões de downloads do Firefox e Opera”, dois browsers alternativos ao Chrome, que é do Google e que vem instalado na grande maioria dos Android. Aquele valor é, no entanto, uma fatia reduzida dos telemóveis Android. Só no trimestre passado chegaram ao mercado um pouco mais de 300 milhões de aparelhos com o sistema desenvolvido pelo Google e várias estimativas indicam que haja cerca de dois mil milhões destes equipamentos a serem usados em todo o mundo.

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Uma das queixas que chegou à Comissão sobre o Android é da portuguesa Aptoide, uma empresa que tem uma loja de aplicações alternativa à loja do Google e que permite a outras empresas (como fabricntes de equipamentos) criarem as suas próprias lojas a partir de um repositório central de aplicações. A Aptoide afirmou que o Google dificulta propositadamente a instalação desta loja e que avisou utilizadores de que a loja poderia ser usada para obter dados pessoais indevidamente. Lundblad não se quis alongar sobre o assunto: “Vou dizer pouco porque é um caso legal em curso. Todos os nossos utilizadores são livres de instalar qualquer loja de aplicações que quiserem. Um operador, ou um fabricante, pode ter mais de uma loja no telefone quando o distribui. Não temos a exclusividade das lojas de aplicações.”

O Android, porém, é uma preocupação relativamente recente da Comissão Europeia. Há seis anos arrancou um complexo processo por práticas anticoncorrenciais que ainda hoje dura. As preocupações da Comissão iam de questões relacionadas com a plataforma de anúncios da empresa à posição nas páginas de resultados de sites que concorriam com algumas das funcionalidades de busca do Google. O anterior comissário da Concorrêcia, Joaquin Almúnia, esforçou-se para chegar a um entendimento que agradasse ao Google, aos concorrentes e ao regulador. Foi uma tentativa gorada e as investigações sobre práticas monopolistas estão agora nas mãos da comissária Margrethe Verstager.

Nas trocas de argumentos com a equipa de Verstager, o tom do Google nem sempre tem sido o mais amistoso, dentro do que é possível para os padrões de documentos oficiais num debate legal. Em Novembro, numa resposta às acusações da Comissão de que o Google favorecia o seu próprio serviço de comparação online de preços, a multinacinal americana argumentou que Bruxelas não sabe como os utilizadores pesquisam online.

Lundblad, em linha com o que tem sido o argumentário da empresa, observou a este respeito que o Google não está sozinho e que há várias outras plataformas através das quais utilizadores comparam preços e fazem pesquisa para comprar produtos. “A descoberta de informação acontece através do Facebook, Twitter, de aplicações, da Amazon”.

O reinado do Android

Muito mudou desde que, no final de 2008, chegou ao mercado o primeiro telemóvel equipado com sistema operativo Android. A Apple tinha lançado o iPhone no ano anterior, dando origem a um novo tipo de telemóvel. Naquele tempo, os BlackBerry ainda eram populares, a Nokia era um gigante do sector e os tablets modernos não existiam. O Google não quis perder o barco. Em Outubro daquele ano, numa parceria com a HTC e operadores de telecomunicações, chegou ao mercado o HTC Dream, que tinha um teclado físico, uma loja de aplicações e estava integrado com produtos do Google, como os mapas e o Gmail.

Aquele modelo foi o primeiro passo no caminho do Google para a conquista do mercado dos dispositivos móveis. O Android – cujo desenvolvimento é feito pelo Google, mas que pode ser usado e modificado por outras empresas – é hoje o sistema dominante. No trimestre passado, números da IDC indicam que tinha uma quota de mercado próxima dos 87% dos telemóveis enviados para o retalho. A Apple rondava os 13%, ao passo que o Windows Phone caminha para o esquecimento, com uma fatia de 0,3%.

Para além dos telemóveis, o Android passou também a equipar tablets e a servir de base para sistemas desenvolvidos pelo Google para automóveis, televisões e relógios inteligentes. Isto significa que os serviços do Google – da pesquisa ao email – acabam por estar em todos estes aparelhos.

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