É o Irão que vai ganhar a guerra na Síria?

Teerão investiu muito na manutenção do regime de Assad, mais do que a Rússia. Quer construir um “crescente xiita” de influência regional, face à sua grande rival, a Arábia Saudita.

O Presidente iraniano Hassan Rouhani deu os parabéns a Bashar al-Assad pela vitória “na Alepo libertada”, segundo a presidência síria, depois de Teerão, um aliado fundamental de Damasco na guerra que destrói a Síria há cinco anos, ter feito colapsar o acordo de cessar-fogo para evacuar os civis da cidade cercada negociado pela Rússia e pela Turquia na terça-feira à noite, sem que os Estados Unidos fossem incluídos.

Teerão está prestes a erguer um “crescente xiita” de influência regional que se estende da fronteira do Afeganistão até ao Mediterrâneo, disse à Reuters Hilal Khashan, professor de Estudos Políticos na Universidade Americana de Beirute (Líbano). “Os iranianos vão estabelecer a sua esfera de influência do Iraque até ao Líbano”, previu Khashan.

No momento em que Assad tem na mão a maior vitória desta guerra sangrenta que já vai quase em seis anos e que atinge níveis de barbarismo que se julgavam impossíveis, o Irão não está disposto a passar para segundo plano.

“A Rússia pode ter a primazia nos bombardeamentos aéreos, mas o Irão é o principal actor militar em terra. Começou a treinar as milícias sírias já em 2012, e depois avançou com as suas próprias forças e unidades lideradas por militares iranianos. Investiu muito mais do que a Rússia nesta guerra desde o início da revolta síria, em 2011. Gastou fortunas para preservar o regime [de Assad], perdeu mais de uma dezena de comandantes e centenas de tropas, sem mencionar um grande número de baixas entre os iraquianos e afegãos que envia para combater na Síria”, escreve no site The Conversation Scott Lucas, professor de Política Internacional da Universidade de Birmingham (Reino Unido).

Por causa do investimento tão pesado que fez nesta guerra, o Irão pode não estar disposto a tolerar nenhuma área de oposição na Síria. Por isso a conquista de Alepo terá sido tão feroz, e provavelmente a ofensiva continuará para Idlib, apesar dos pesados custos humanos, financeiros e militares, sublinha o investigador britânico.

Para Teerão, o que se passa na Síria faz parte de uma prolongada guerra de atrito que mantém com o seu grande rival regional, a Arábia Saudita. Em ambos, o poder secular e o religioso se entrelaçam de formas frequentemente conflituosas, embora um seja xiita e outro sunita. Fizeram do Médio Oriente o palco da sua disputa pela supremacia regional, apoiando guerras mortíferas, no Iémen e na Síria. Os sauditas e outros países do Golfo apoiam vários grupos rebeldes na Síria.

Os principais interesses da Rússia não os de afirmação regional, embora também os tenha. “A marginalidade dos Estados Unidos foi evidente no anúncio do cessar-fogo de 13 de Dezembro. John Kerry não estava em lado nenhum; foram os serviços secretos turcos e os militares russos que chegaram a acordo. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, resumiu bem a coisa: ‘É mais fácil para Moscovo chegar a acordo com a Turquia sobre Alepo do que os EUA’”, comentou Scott Lucas.

O recuo de Washington em relação ao Médio Oriente, sentido por muitos países da região, melindrados por causa do acordo sobre o nuclear com o Irão – um importante feito diplomático, mas com muitos críticos – abriu espaço para a entrada da Rússia, que procura reafirmar o seu estatuto de potência mundial. Embora com fraquezas evidentes, como uma economia em crise.

“Vladimir Putin compreendeu bem a opção de Washington em não se envolver tanto e a falta de vontade dos europeus de intervir, ainda que critique sempre nos seus discursos o alegado intervencionismo ocidental”, disse ao Le Monde Thomas Gomart, director do Instituto Francês de Relações Internacionais. “O Presidente russo conseguiu fazer do seu país o interlocutor privilegiado sobre a crise síria, tal como nos tempos da Guerra Fria”, afirmou.

“A gestão da crise síria [pelos países ocidentais] é uma sequência de oportunidades perdidas. No último ano, os russos fizeram, para salvar o regime, tudo o que os ocidentais não fizeram pela oposição, disse em Setembro ao diário francês Camille Grande, que se tornou entretanto uma das secretárias gerais adjuntas da NATO.

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