OTRV garantem aos bancos novas comissões sobre 200 mil clientes

Estado duplica financiamento junto dos privados com o novo produto, que já supera total de aplicações em Certificados do Tesouro.

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Cristina Casalinho, presidente do IGCP, consegue arrecadar mais 1500 milhões de euros junto dos particulares. Nuno Ferreira Santos

A terceira emissão de Obrigações do Estado de Rendimento Variável voltou a ser um sucesso para o Estado, com a colocação de 1500 milhões de euros, elevando o total (bruto) arrecadado em 3450 milhões. Para os bancos, de quem partiu a proposta de lançamento deste produto, as OTRV representam uma receita acrescida, durante um prazo de cinco anos. Apesar de boa parte dos valores aplicados nestas obrigações sair de depósitos à ordem, ou a prazo, sobre os quais os bancos não pagam juros ou ficam perto de zero, as instituições financeiras garantem a cobrança de várias comissões junto de mais de 194 mil investidores.

O número pode conter aforradores comuns às três emissões, mas isso não impede que a comissão de subscrição, de pagamento de juros (semestral) e de venda antecipada ou amortização seja paga por cada OTRV, até porque os prazos de cada emissão são distintos. Alguns investidores podem estar isentos da comissão de guarda de títulos, porque já pagam esse valor por outras aplicações, mas nem todos garantem essa isenção.

Os principais bancos nacionais recebem ainda elevadas comissões, pagas pelo Estado, pela colocação das emissões – é, aliás, essa forma de distribuição que explica boa parte do sucesso das OTRV. É que, por emails, mensagens telefónicas ou por cartas, enviados a algumas centenas de milhares de clientes, conseguiram convencer pequenos aforradores a subscreverem este produtos. Só isso explica que a procura tenha superado sempre a oferta. Nesta terceira emissão, cujos resultados foram divulgados segunda-feira, a procura superou os 2000 milhões de euros para uma oferta de 1500 milhões.

Também é essa acção proactiva das instituições financeiras que explica a elevada dispersão destes títulos de dívida pública por pequenos investidores. Em linha com as anteriores, nesta emissão 86,3% dos 1500 milhões de euros ficaram entre o valor mínimo de subscrição, de mil euros, e os 20 mil euros. Ou seja, dos 90.370 investidores – dos quais 94% são residentes ou com estabelecimento em Portugal – 78.025 subscreveram valores até 20 mil euros. Apenas 12%, ou 11.640 investidores, aplicaram entre 20.001 e 50 mil euros. O valor vai descendo para 0,5% entre 50 e 100 mil euros e para 0,2% até 500 mil euros. Acima de 500 mil euros não se registou qualquer pedido.

Com a ajuda dos bancos, o IGCP, a agência que gere a dívida pública e que é presidida por Cristina Casalinho, duplicou a sua base de financiamento junto dos particulares, ultrapassando outro produto que tem registado elevada procura pelas famílias: os Certificados do Tesouro de Poupança Mais (CTPM). Os encaixes líquidos (novas subscrições menos resgates) dos Certificados de Aforro, entre Janeiro a Outubro, ficaram-se por 168 milhões de euros e os CTPM atingiram 2790 milhões, o que, no conjunto, representa um total de 2958 milhões.

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A diferença entre o valor aplicado nas OTRV e nos certificados, actualmente de quase 500 milhões de euros, ainda irá reduzir-se, porque faltam dois meses de subscrição dos produtos colocados aos balcões dos CTT e o Natal costuma representar um bom mês para este tipo de aplicações.

Depois do sucesso das três emissões realizadas, que superaram sempre o montante indicativo, o IGCP só retomará novas emissões a cinco anos, ou talvez a estreia para dez anos, se as condições de mercado o permitirem. A componente doméstica continua a representar uma pequena fatia do financiamento conseguido através dos Bilhetes do Tesouro e Obrigações do Tesouro, que este ano ascendeu a 32.792 milhões de euros.

Taxa bruta de 2%

Para os particulares, o investimento também será rentável, salvo nos casos em que os valores de subscrição ficaram abaixo de cinco mil euros, o que muito provavelmente será anulado pelas comissões. As simulações da Deco Proteste mostram que, para valores reduzidos, a taxa de juro oferecida pode não ser suficiente para pagar a totalidade das comissões, que variam de banco para banco.

A emissão das OTRV Novembro 2021 garante uma taxa bruta mínima de 2%, uma rentabilidade menor do que as anteriores (2,2% na emissão de Maio, a primeira, e 2,05% na de Agosto).

A taxa líquida (sem incluir as comissões a pagar aos bancos) da terceira emissão cai para 1,44% e é composta por um prémio fixo, de 2%, que pode subir se a Euribor a seis meses aumentar para valores positivos. Actualmente, esta taxa está negativa, assumindo o valor de zero para o cálculo do valor actual. Não é expectável que a Euribor possa subir de forma significativa nos próximos anos, mas, ainda assim, a taxa das OTRV continua acima de boa parte dos tradicionais depósitos a prazo, de capital garantido.

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Face às condições actuais, as OTRV comparam mal com os certificados do Tesouro, que pagam uma taxa bruta média anual de 2,25%, o que corresponde a uma taxa líquida de impostos de 1,6%. Esta rentabilidade pode aumentar se se verificar o crescimento do produto interno bruto (PIB) nacional nos últimos dois anos.

Colocada através dos balcões dos CTT,  ou através de registo online no IGCP, esta aplicação também tem a duração de cinco anos e tem ainda duas outras vantagens: a de não pagar qualquer comissão e a de os valores poderem ser resgatados, a partir do primeiro ano, garantindo o capital investido. Pode ocorrer perda de juros se a mobilização acontecer antes do pagamento anual de juros.

Já as OTRV não podem ser resgatadas antes de Novembro de 2021. Como estas obrigações estão cotadas em bolsa, o resgate antecipado é possível através da sua venda em bolsa ou por negociação particular, mas o valor dependerá das condições do mercado, ou seja, pode ser mais alto ou mais baixo do que os mil euros de valor de subscrição. Em bolsa, a cotação destas obrigações tem seguido de perto a evolução das Obrigações do Tesouro a cinco anos no mercado secundário, onde grandes investidores institucionais (bancos, seguradores, fundos…) compram e vendem estes títulos.

Tal como a taxa, a procura OTRV tem vindo a cair, mas isso também é explicado pelo crescente aumento do valor de colocação. Em Maio, a procura superou 1,62 vezes a oferta, numa emissão de 750 milhões de euros. Em Agosto, para uma oferta reforçada para 1200 milhões de euros, a procura superou 1,53 vezes a oferta. Agora caiu para 1,36 vezes, mas para um montante que triplicou face aos 500 milhões de euros iniciais para 1500 milhões de euros. Esta evolução pode, no entanto, ser indicativa para futuras operações.

Muito pouca procura registam os velhos Certificados de Aforro, que, prejudicados pela queda das taxas Euribor para valores negativos (que vai “roubando” valor ao prémio de permanência de 1%), garantem uma taxa de rentabilidade próxima de 0,7%. Há longos meses que o montante de resgates tem sido muito superior ao das novas subscrições. Com Luís Villalobos

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