Acusações de pedofilia no futebol britânico ameaçam tornar-se uma avalanche

Desde a primeira denúncia, há 11 dias, multiplicam-se as queixas relativas a casos que envolvem vários clubes, alguns da Premier League. Além das investigações policiais, a Associação de Futebol do Reino Unido já abriu um inquérito interno.

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O escândalo está a agitar as camadas jovens do futebol britânico SERGIO AZENHA / PUBLICO

A Associação de Futebol do Reino Unido abriu um inquérito interno sobre o que esta organização e os clubes envolvidos sabiam sobre casos de pedofilia nas estruturas mais jovens e em concreto sobre Barry Bennel, um antigo treinador que está a ser acusado de abuso sexual por vários antigos jogadores, anuncia o jornal britânico The Guardian este domingo.

Neste momento há já dezenas de denúncias envolvendo pelo menos seis clubes, um caso que está a crescer como uma bola de neve e promete continuar na ordem do dia no Reino Unido. Até agora não houve nenhuma detenção, mas há investigações em curso pela Polícia Metropolitana de Londres, a maior força policial do país, assim como pelas autoridades de Cheshire, Northumbria e Hampshire.

Foi Andy Woodward (43 anos), antigo futebolista do Crewe Alexandra (clube que actualmente compete na 4.ª divisão), quem espoletou a polémica. Ao jornal The Guardian, a 16 de Novembro, Woodward confessou ter sido abusado sexualmente durante vários anos pelo então treinador Barry Bennell, já condenado na Grã-Bretanha e nos EUA por agressões sexuais cometidas sobre jovens rapazes a partir da década de 1970.

Este testemunho desencadeou outras confissões, nomeadamente de Steve Walters (44 anos), também antigo jogador do Crewe Alexandra; de David White (49 anos), que representou o Manchester City; e de Paul Stewart (52 anos), que passou pelos plantéis do Tottenham.

A Associação de Futebol admite vir a desencadear um inquérito mais amplo a esta situação e está já a fazer recomendações para que casos destes não se repitam. “Nesta altura, e com a consciência de que um inquérito mais completo possa vir a ser necessário, estamos a trabalhar de perto com a polícia para apoiar as investigações e garantimos que nada será feito para interferir ou prejudicar as investigações”, anuncia a associação, citada pelo The Guardian.

Uma centena de chamadas em 24 horas

Certo é que a bola de neve ameaça tornar-se uma avalanche. Na quinta-feira, a Sociedade Nacional para a Prevenção dos Abusos sobre Crianças abriu uma linha segura para denúncias e em apenas 24 horas recebeu mais de cem chamadas, conta a BBC. E as denúncias públicas já feitas apontam para outros agressores, além de Bennel, ligados às estruturas juvenis de futebol.

O presidente executivo da Associação de Jogadores de Futebol Profissionais, Gordon Taylor, revelou que o número de queixas de abusos sexuais sobre menores no futebol ultrapassa já as duas dezenas e que os clubes envolvidos são já meia dúzia: depois do Crewe Alexandra – onde começaram as denúncias, do Manchester City, do Newscastle United e do Stoke City, somam-se agora o Leeds United e o Blackpool.

Falando ao programa Sportsweek da Radio 5 Live, Taylor afirmou que seis ou sete clubes estavam já ligados aos alegados abusos sexuais e disse esperar que este número venha a crescer. “Daquela altura, entre os aprendizes e os séniores, mais de 20 jogadores já fizeram denúncias”, afirmou o responsável.

Questionado sobre os clubes envolvidos até agora, afirmou: “Começámos no Crewe, a seguir veio o Manchester City, Stoke, Blackpool, Newcastle, Leeds... Acredito que vai haver mais. Penso que temos seis ou sete clubes”. “Não acredito que isto tenha acontecido apenas no Noroeste e Nordeste. Temos de ter em mente que isto podia atravessar todo o país, da mesma forma que aconteceu com outras profissões onde há crianças – na igreja, em escolas”.

Taylor sugeriu que alguns dos problemas de saúde mental que a sua associação tem combatido recentemente podem estar ligados ao abuso, mas também se afirmou convicto de que actualmente os jovens jogadores estão mais protegidos do que no passado.

“Temos casos de depressão e, claro, casos que resultaram em suicídio… Algumas das revelações que têm vindo a ser feitas também ajudam a explicar o que aconteceu”, disse. E acrescentou: “Eu não posso afirmar que factos destes não podem acontecer [agora], porque não é possível ter vigilância suficiente para impedir pedófilos tão determinados”.

Mas sublinhou existirem actualmente outros mecanismos, como uma linha de ajuda e uma plataforma digital para que os jovens e familiares possam denunciar situações perigosas. “Há muito mais conhecimento disponível sobre o que é preciso ser feito e avaliações em curso aos funcionários dos clubes”, acrescentou.

Pagar pelo silêncio

O escândalo tomou ainda maiores proporções depois do The Telegraph ter revelado no sábado que os clubes mais importantes chegaram a pagar pelo silêncio das vítimas de abusos sexuais pelos seus treinadores.

Segundo aquele jornal, “uma fonte bem colocada afirmou que alguns clubes, inclusive da primeira liga, tinham pago compensações a jovens jogadores, mas apenas depois de as vítimas assinarem acordos de confidencialidade abrangendo as suas famílias e advogados de forma a impedir a revelação pública dos casos”.

A revelação alimentará a preocupação de que as estruturas de futebol tenham encoberto casos de pedofilia durante anos. O The Telegraph cita mesmo uma fonte anónima, referida como “familiarizada ao mais alto nível” com os casos, que afirma que muitos clubes abafaram casos de pedofilia nos últimos anos. “Estes casos estão sujeitos a acordos de absoluta confidencialidade e relacionados com clubes de futebol, alguns da primeira liga. Não é possível legalmente às vítimas dizerem nada sobre os casos. É como os clubes têm lidado com o assunto”, diz.

Até agora, segundo o The Guardian, os clubes referidos mostram-se cautelosos. O Crewe Alexandra está a desenvolver uma investigação independente sobre a forma como o clube lidou com as denúncias de abuso sexual por parte do treinador da equipa juvenil. O Newcastle afirma que vai colaborar com as autoridades “se e quando o clube receber mais informação”.  

O Manchester City fez uma declaração onde afirma estar ciente das acusações contra Barry Bennel quando ele lá trabalhava nos anos 1980 e, por isso, está a investigar todas as ligações que ele pode ter tido, no passado, com a organização. Já o Stoke afirmou não ter sido contactado por nenhum caso específico, mas que está pronto para investigar qualquer denúncia que venha a ser feita.

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